sexta-feira, 30 de maio de 2014

CONSELHO DO ADMINISTRADOR DA PÁGINA


Ausência - Euclides Bandeira

Recresce, arpoante e funda, a saudade cruel.
Corri ela foi meu sol, partiu minha risada!
Cada dia que passa é uma gota de fel
que se me infiltra na alma e a põe envenenada.

Mais larga a ausência, mais a lembrança dourada
resplandece, espertando emoções em tropel:
o riso, o gesto, a voz; boca a boca soldada,
os seus beijos febris que eram de fogo e mel...

Claro perfil de luz, louro encanto irradiando
o revérbero astral de flavescente véu
que dourava o meu sonho e o verso decadente.

Onde estás? interrogo. E a mágoa cresce quando
sinto tudo em silêncio em torno... O próprio céu
misterioso e azul, como os olhos da Ausente...

Minuete - Augusto Meyer

O minuete das flores vai começar.

Há uma rosa vermelha que balouça, balouça,
em reverência a um lírio.

Tocam os grilos escondidinhos para a quadrilha.

Há um crisântemo crespo muito orgulhoso,
e sua corola parece que gira.
Ele dança imóvel — consigo mesmo...

As folhas secas também valsam,
— realejo ao vento —
valsam remoinhos silenciosos,
— folhas ingênuas — baile de pobres...

Dançam as flores, dançam perfumes na minha alma.
0 minuete das mágoas vai começar.
Minha alma não dança com as outras almas:
 — dança imóvel — consigo mesma...

Não creio nesse deus - António Aleixo

I

Não sei se és parvo se és inteligente
— Ao disfrutares vida de nababo
Louvando um Deus, do qual te dizes crente,
Que te livre das garras do diabo
E te faça feliz eternamente.

II

Não vês que o teu bem-estar faz d'outra gente
A dor, o sofrimento, a fome e a guerra?
E tu não queres p'ra ti o céu e a terra..
— Não te achas egoísta ou exigente?

III

Não creio nesse Deus que, na igreja,
Escuta, dos beatos, confissões;
Não posso crer num Deus que se maneja,
Em troca de promessas e orações,
P'ra o homem conseguir o que deseja.

IV

Se Deus quer que vivamos irmãmente,
Quem cumpre esse dever por que receia
As iras do divino padre eterno?...
P'ra esses é o céu; porque o inferno
É p'ra quem vive a vida à custa alheia!

De um fauno - Emiliano Perneta

Ah! quem me dera, quando passa em meu caminho
Juno! com seu andar de névoa que flutua,
Poder despi-la dessa túnica de linho...
E vê-la nua! Eu só compreendo estátua nua!

Nua! essa corça nua é branca, e é como a Lua...
Ser eu Apolo! embriagá-la do meu vinho!
Porém se estendo no ar os meus braços, recua,
Esquiva a dama apressa o passo miudinho...

A dama foge, não deseja que eu avance...
Meu desejo, porém, é um gamo. De relance,
Vendo-a, corre a querer sugar-lhe o claro mel...

Despe-a; carrega-a, assim, despida, para o leito...
E, nua, em flor, bem como um sátiro perfeito,
Sobre o feno viola essa Virgem cruel!

quinta-feira, 29 de maio de 2014

O discurso - Gilberto Mendonça Teles

Havia a necessidade absurda de falar
para manter o equilíbrio da mesa
e preservar a reputação implícita
nos gestos.

Alguém chegou a reclamar a urgência
de um gravador para medir as vaias.
Outro, mais complacente, se preparava
para pedir bis. Um terceiro mastigou
ruidosamente a ponta da língua.

Neste momento solene... o poeta
burlou a vigilância das moscas
e deu um salto mortal no meio
do discurso.

E ante a curiosidade geral dos convivas,
fabricou um cavalo de miolo de pão
e fugiu a galope, levando à garupa
a garota que estava fingindo que não.

Na véspera - Jorge Wanderley

Porque o cansaço tem ruas de sono
Conseguirás agora adormecer.
Tudo anda mal nas coisas que abandonas;
Em solo ingrato a noite vai descer.
Que traga a paz imensa que ambicionas,
Sem sonho algum; para não conceber
Meias-vidas sem rumo onde és o dono
Do que não queres, de insano poder.
Que a lida agora interrompida, amarga,
Possa passar a um outro espaço-tempo,
E volte nova dos frios astrais.
Que esqueça longo o peso, a dor, a carga,
O mal que te contempla e que contemplas.

Se assim não, que não acordes mais.

A gaiola - Maria do Carmo Barreto Campello de Melo

E era a gaiola e era a vida era a gaiola
e era o muro a cerca e o preconceito
e era o filho a família e a aliança
e era a grade a fila e era o conceito
e era o relógio o horário o apontamento
e era o estatuto a lei e o mandamento
e a tabuleta dizendo é proibido.

E era a vida era o mundo e era a gaiola
e era a casa o nome a vestimenta
e era o imposto o aluguel a ferramenta
e era o orgulho e o coração fechado
e o sentimento trancado a cadeado.

E era o amor e o desamor e o medo de magoar
e eram os laços e o sinal de não passar.
E era a vida era a vida o mundo e a gaiola
e era a vida e a vida era a gaiola.

A chuva e o poeta - Luciene Freitas

Nuvens choram, manhosamente, na tarde fria,
Singular cortina, de sombras, forma a neblina.
Insistentes gotas, ritmadas, escorrem em nostalgia
Formando espelhos d’água em poças cristalinas.

E na magia da queda de cada gota, que reluz,
O ventre da terra intumesce. A natureza arde.
O poeta é mariposa desvairada, volteando a luz.
Recita versos, enternecidos, colorindo a tarde.

Um piano em leves acordes compassados
Ressoa longe, o mavioso som de uma valsa.
Em melodia festiva os pingos cadenciados
Arrastam a tristeza. Só a chuva é que não passa!

O poeta diz – Não há trevas! Há luz na poesia.
Em versos de louvor canta a Natureza em festa,
Sob a cinzenta luz de artifício. Sem melancolia
Louva as estrelas, escondidas, atrás das arestas.

Serpenteando a terra corre a água em fino fio,
Em ondas reluzentes, enquanto interage o vento.
Os sapos, em estribilho, festejam a chegada do frio,
Enquanto o poeta faz versos de encantamento.

As folhas orvalhadas têm o brilho de estrelas
Realçam o verde, limpo, lavado pelos pingos.
Numa oração, em coro, os poetas bendizem vê-las
E desfiam, embevecidos, em rimas o cantar divino.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Soneto - Junqueira Freire


Arda de raiva contra mim a intriga,
 Morra de dor a inveja insaciável;
 Destile seu veneno detestável
 A vil calúnia, pérfida inimiga.

Una-se todo, em traiçoeira liga,
 Contra mim só, o mundo miserável.
 Alimente por mim ódio entranhável
 O coração da terra que me abriga.

Sei rir-me da vaidade dos humanos;
 Sei desprezar um nome não preciso;
 Sei insultar uns cálculos insanos.

Durmo feliz sobre o suave riso
 De uns lábios de mulher gentis, ufanos;
 E o mais que os homens são, desprezo e piso.

Banzo - Menotti Del Picchia

 E por que deixou na areia do Congo 
a aldeia de palmas; 
e porque seus ídolos negros 
não fazem mais feitiços; 
e porque o homem branco o enganou com missangas 
e atulhou o porão do navio negreiro 
com seu desespero covarde; 
e porque não vê mais de ânfora ao ombro 
a imagem do conga nas águas do Kuango, 
ele fica na porta da senzala 
de mão no queixo e cachimbo na boca, 
varado de angústia, 
olhando o horizonte, 
calado, dormente,
pensando,
sofrendo,
chorando.
morrendo.

O beija-flor - Tobias Barreto

Era uma moça franzina,

Bela visão matutina

Daquelas que é raro ver,

Corpo esbelto, colo erguido,

Molhando o branco vestido

No orvalho do amanhecer.

 

Vede-a lá: tímida, esquiva...

Que boca! é a flor mais viva,

Que agora está no jardim;

Mordendo a polpa dos lábios

Como quem suga o ressábio

Dos beijos de um querubim!

 

Nem viu que as auras gemeram,

E os ramos estremeceram

Quando um pouco ali se ergueu...

Nos alvos dentes, viçosa,

Parte o talo de uma rosa,

Que docemente colheu.

 

E a fresca rosa orvalhada,

Que contrasta descorada,

Do seu rosto a nívea tez,

Beijando as mãozinhas suas,

Parece que diz: nós duas!...

E a brisa emenda: nós três! ...

 

Vai nesse andar descuidoso,

Quando um beija-flor teimoso

Brincar entre os galhos vem,

Sente o aroma da donzela,

Peneira na face dela,

E quer-lhe os lábios também

 

Treme a virgem de surpresa,

Leva do braço em defesa,

Vai com o braço a flor da mão;

Nas asas d’ave mimosa

Quebra-se a flor melindrosa,

Que rola esparsa no chão.

 

Não sei o que a virgem fala,

Que abre o peito e mais trescala

Do trescalar de uma flor:

Voa em cima o passarinho...

Vai já tocando o biquinho

Nos beiços de rubra cor.

 

A moça, que se envergonha

De correr, meio risonha

Procura se desviar;

Neste empenho os seios ambos

Deixa ver; inconhos jambos

De algum celeste pomar! ...

 

Forte luta, luta incrível

Por um beijo! É impossível

Dizer tudo o que se deu.

Tanta coisa, que se esquece

Na vida!  Mas me parece

Que o passarinho venceu! ...

 

Conheço a moça franzina

Que a fronte cândida inclina

Ao sopro de casto amor:

Seu rosto fica mais lindo,

Quando ela conta sorrindo

A história do beija-flor.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Contradições - Dayse Melo

Enquanto aguardo a sua chegada,
busco o relógio e adianto as horas
na esperança da sua falta.
Enquanto anseio pelo seu beijo,
Trinco os dentes, mordo a língua,
E engulo a saliva e o sangue.
Enquanto meus pelos se arrepiam ao seu toque,
me visto de aço e ferro,
e encarcero todo o meu corpo.
Enquanto meu olhar de fogo se rebela e te acolhe,
meus lábios se trancam,
se calam e te negam.
Me contradigo...
Então... Meus versos surgem de desejos confusos, dispersos...
e minha alma vagueia entre metáforas livres e incertas...
por ora eu peso a razão e o não-senso.
Mas perco a conta e começo tudo de novo.

Deusa vencida - Lilian Maial

Por teu amor renunciei a tudo,
desfiz-me em rimas de sonetos vãos.
Indivisível como o teu escudo,
só mesmo a brisa que me fez canção.

Teci mortalhas para um peito mudo,
que em noites frias de sofreguidão
eu desmanchava, rejeitando o luto,
como o ataúde de meu coração,

Em frente ao mar eu aguardei serena,
que as ondas tristes pela minha pena,
trouxessem vaga a me dizer tolices.

Daria meses, anos dessa vida,
se num murmúrio, mesmo distraída,
ouvisse enfim: -"Chegou o teu Ulisses".

Fraternal - Helena Ortiz

três machos sem direito a cópula
cagam três vezes ao dia
num cativeiro moderno

recolha-se a merda
banho e ração
Ralph, Mateus e Subcomandante
pastores pastoreando passarinhos
ó como eu gosto de animais

três machos sem direito a cópula
ouvem o canto da sereia
no quintal de seu monastério

atacam-se decepando orelhas
mordem saco lombo jugular
em meio a latidos vão fazendo
vermelha a arena do combate

agora aí estão lambendo-se
lambendo-se as feridas como irmãos

Linda mentira - Yvonne de Oliveira Silveira



Cristalização de sonhos
 nas noites insones:
os braços vazios embalam o corpo 
 translúcidos e belo do meu menino.

Cresce no tempo o sonho inútil. 
 e cresce o menino. 
 Imagens passam  móveis, voláteis: 
 um ser perfeito se desenvolvendo 
 nos dias falsos 
 da vida mítica, 
 alma de anjo, carne de santo.
 - Não fora de sonho o meu menino!

Amores de moças, 
 invejas de moços,
 garbosa avança o meu rapaz, 
 segue o destino que eu mesma fiz, 
 sempre vencendo, 
 nunca perdendo, 
 Alma de anjo,  carne de herói. 
 - Não fora de sonho o meu rapaz !

Ah, imagens que passais 
 pelos caminhos dos meus sonhos!
 imagens do desejado 
 inutilmente esperado.

O tempo derrubou os meus castelos. 
 A árvore morre sem frutos, 
 vendo a fúlgida visão fugir 
 no quebranto da vida.

Caminho - Weydson Barros Leal

Ontem passei pela tua calçada
como quem passa pela vida.
O tempo seguia o seu antigo
cortejo – os seus números – e eu
seguia o caminho que a vida oferece
aos que não encontram a alegria.

Todos os anos passamos pelo dia
de nossa morte, como passa,
desavisada e cega, toda a gente
sobre toda calçada.

O futuro se dissolverá ante o mistério
como um calendário perdido não deixará nunca de passar.

Alcancem o céu os transeuntes daquela rua comum,
por neste dia, como em segredo,
pisarem o tempo, ainda, ainda, ainda.

domingo, 25 de maio de 2014

Breve sono - Tarcísio Meira César

A leveza da pálpebra dormente

tinha, quando uma tarde adormeci:

uma pequena morte que morri,

muito aquém de algum sono, o mais ardente.

 

Parecia uma névoa dissolvente

de um momento breve que escondi,

feito do mais esquivo e suavíssimo

instante despregado do poente.

 

Morri um breve sono desde o além,

silencioso e só e sem lembrança,

como se em nada dissolvesse alguém.

 

Eu era como a tarde que morria

entre um pedaço da noite e a esquivança

de um instante escondido em pleno dia.


Só por ti - Mariana Angélica de Andrade

Se a luz dos teus olhares me reanima,

Dando-me gozos que jamais senti;

Se és a minha esperança mais querida,

Hei-de perder-te? Não! Se o amor é vida,

Quero viver por ti!

 

Mas se a vida tem dores cruciantes,

Temer não sei! Para sofrer nasci…

Abraço a minha cruz, busco o tormento,

E embora me domine o desalento

Quero sofrer por ti!

 

Não estranho os espinhos da desdita,

Porque sempre em espinhos me feri…

Se hei-de trilhar ainda mais abrolhos,

Se mais prantos virão turvar meus olhos,

Quero chorar por ti!

 

Só pelo teu afecto esqueço os entes

Que mais amei na terra, e que perdi!

É destino! Quem foge à sua sorte?…

Eu a bendigo; e, se o amor é morte,

Quero morrer por ti!