quarta-feira, 7 de maio de 2014

Ausência - Vinicius de Moraes


Eu deixarei que morra em mim
o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar 
senão a mágoa de me veres eternamente exausto
No entanto a tua presença
é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto
existe o teu gesto e em minha voz a tua voz

Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim
como a fé nos desesperados
Para que eu possa colher
uma gota de orvalho
nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne
como uma nódoa do passado

Eu deixarei...
tu irás e encostarás a tua face em outra face

Teus dedos enlaçarão outros dedos
e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite
e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa
suspensa no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono
desesperado.

Eu ficarei só
como os veleiros nos portos: silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém
porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar,
do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente,
a tua voz ausente,
a tua voz serenizada.

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