sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

CANTARES – Do livro “Marcos do Tempo” - Rafael Rocha

(Canto Primeiro)

Cheguei até este limiar cheio de mim
Profetizando a dor escondida dos homens.
E delimitando no infinito do horizonte
Marcos e marcas para todos os viajantes
E neste limiar que pretende ser eterno
Profetizo o verso ainda não posto à mesa.
................................................................................
(1)
O povo não é mais pescador dele mesmo.
Arrasta a maldição da dor devido aos gestos estudados
De quem ocupa a tribuna e se diz autoridade.
O povo vive de restos malditos
E nasce em berço muito pouco esplêndido.
Não pretendo atirar a primeira pedra.
Prefiro denunciar ao mundo a ganância dos chefes.
Não pretendo aceitar os ditames da última era.
Debruçarei meu corpo nos balaustres das pontes
Atentarei meu olhar nos rios sujos da cidade.
E tentarei falar a voz humana: “Sou pobre, mas honesto”.
Nem mais isso os meus queridos devem no balcão da vida.
(2)
Hipócritas
Outros homens dizem possuir a voz de Deus
E abrem o livro sagrado para fundar igrejas
E corromper a mente dos ignaros,
Vendendo a fé como uma sopa
E a crença como um pão adocicado.
A justiça fica adormecida em seus palácios
Fazendo ouvidos moucos à pregação
Inconveniente da ideia do Senhor.
Eles consagram os vendilhões do templo
E beijam a moeda retirada do bolso do pobre.
Este é um novo ritual
A fazer do inalcançável a ilusão alcançada
E comprada como um sapato ou um trago de cachaça.
Ladrões da inocência!
A espada dos honestos ainda irá perfurar
Seus imensos corpanzis de mentira e sujeira.
(3)
Ah, terra minha! Ah, gente minha!
Vamos agitar nossa força nas estradas!
Vamos partir e subir aos mais altos andares!
Vamos agarrar nossas aspirações na marra!
Túmulos não foram feitos apenas
Para quem não tem onde morrer de fome.
E a Pátria Nordeste ainda não foi
De todo descoberta como ela merece.
Escuta, ó gente minha!
As areias e os seixos dos rios
Ainda estarão aqui pelos próximos séculos.
E elas devem crer que nossos guerreiros
Souberam agir com mente firme e mão generosa.
(4)
Nem Cristo nem Guevara. Nem Buda nem Maomé.
Nem Ocidente ou Oriente.
A salvação é criar um tempo definitivo.
Agitar!  Lutar! Sangrar!
Não vamos mendigar aos pastores da mentira
A idéia de um Deus de bordel.
Para que essa cegueira? Nós somos o Reino!
Nós somos os ouvidos da vida!
(5)
Meu verso está sendo posto à mesa
Às mãos dos semeadores da palavra.
Não deem as costas ao poema!
Não estilhacem o sangue do poema!
Não quero ver meus queridos agonizando
Sob a oratória dos corruptos e dos compradores da fé!
(6)
Lotadas as estradas com a esperança e seu verde brilhante,
Os homens golpearão seus inimigos
Dentro do mais curto espaço do tempo.
E meu espírito vestirá a pele dos libertos
Desvendando as traições dos compradores de almas.
 (7)
E todos irão saber que o Senhor da Liberdade
É um Senhor que respira e vive
Na alma do homem da terra.
Ele é forte e tem seu livro sagrado
Escrito na palma de suas mãos e em sua pele enrugada.
Com os palácios derribados
Com os falsos senhores desgrenhados
O homem real da terra poderá desfrutar a vida
E aprisionar parasitas que de nada cuidam
Mas apenas solicitam a presença da morte.
(8)
Caminhemos! Caminhemos! A estrada é longa!
Vamos buscar mulheres e homens!
O Senhor da Liberdade respira
E tem seu livro sagrado escrito na pele enrugada
Dos homens tristes e pobres.
(9)
Quando o verdadeiro vento nordeste varrer o semiárido,
As fogueiras das vaidades terão de ser apagadas,
Mas acender-se-ão luzes de águas
E as chuvas ficarão plantadas
Nas almas dos guerreiros da vida.
E dos livros rasgaremos as páginas
Das histórias oficiais escritas pelos opressores.
(10)
Ah, meu verso profético! Que beleza!
Aqui chegastes para extravasar a tua ira.
Aqui estás para render homenagem
Ao homem de nossa futura Pátria Nordeste.
 ...............................
Canto Segundo

Profetizo o verso ainda não posto à mesa.
E neste limiar que pretende ser eterno
Crio marcos e marcas para todos os viajantes
E delimito no infinito do horizonte
A dor escondida guardada dentro dos homens
Até alcançar este infinito cheio de mim
............................................................................
(11)
Agora fiquemos sós.
Ainda temos muito tempo.
Nossos refúgios são seguros.
Estou olhando para a terra e nela vejo uma força radiante.
Não preciso que você olhe para mim.
Não sou forte nem tenho intento insidioso.
Mas não estou assim tão adormecido.
Quero atrair você para uma missão conjunta
Aos momentos em que trocamos ideias e argumentos.
“Qual será a missão?” eis a pergunta.
Olhe: as ruas estão perigosas e os seres humanos
Têm suas almas sonâmbulas programadas
Por vídeos televisivos e mentiras midiáticas.
Não se preocupe. O mundo tem conserto.
Vamos entrelaçar nossas ideias
Como cordas emaranhadas a amarrar os navios do porto.
(12)
Fiquemos sós.
Tenho a intenção de amar a sua ideia esplêndida
Nos nascentes e nos poentes dos marcos deste planeta.
E desejando olhar bem para dentro de mim
Você verá minha postura de guerrilheiro
Cumprindo um caminho evolutivo sem precedentes.
“Quem és?”, eis outra pergunta.
Olhe: na amplidão de todas as nossas madrugadas
Sempre aparecem as cinzas de um outrora.
Jogo-as pela janela do meu quarto.
Mas não se preocupe.
Não vou jogar fora as cinzas do amanhã.
Quero fazê-las voar célere ao seu encontro
Como a luz daquela estrela
Que somente hoje alcançou a terra.
(13)
Em verdade, em verdade vos digo:
A vida dos melhores humanos está jogada na sarjeta
E é por esse motivo que precisamos ficar a sós
E fazer um estudo dinâmico daquilo que somos.
Hoje é uma noite de agosto. Ela é fria.
A ventania entra pela janela do meu quarto
Trazendo os gritos dos guerreiros iguais a nós.
Em verdade, em verdade vos digo:
Somos muito mais do que habitantes das sarjetas
E por essa questão temos de ficar a sós
Para recriar os sonhos dos grandes profetas.
(14)
Em verdade vos digo:
Quando os deuses da terra eram outros
O homem era muito mais feliz do que hoje.
Mas ainda há tempo para moldar uma nova mística
E para plantar uma semente mais formosa de planta.
Por isso temos de ficar a sós.  Eu e você.
Somos os únicos a compreender a nudez,
A beleza, a dor, a alegria e a verdade das coisas.
Em verdade, em verdade vos digo:
Podemos fazer o vento carregar mensagens otimistas
Para todos os deserdados do planeta.
(15)
Fiquemos sós!
Vamos enrodilhar nossos dedos uns nos outros.
Vamos amalgamar nossos cérebros para a luta.
Ao longo das grandes avenidas ninguém se fala mais.
Ninguém mais se olha para entender
As substâncias dos rostos e dos corpos.
Esqueceram a enxada, o martelo e a foice no arquivo morto.
O homem hoje ri ao matar seus semelhantes
E ao olvidar seus ancestrais
Sem chorá-los pelas suas perdições nas multidões.
“Que faremos?”, eis outra questão.
Nada! Não faremos nada.
Ficaremos sós para profetizar o novo tempo.
Ficaremos sós para ver a verdadeira história ir e voltar.
(16)
A luz de sua imagem na plena madrugada
É uma condensação de paixão para meus olhos.
Em verdade, em verdade vos digo:
Haverá um tempo em que nos encontraremos
Arrependidos de nada termos sido
Tanto um para o outro
E de nada termos feito de bom do outro para o um.
Assim é necessário ficarmos sós,
Criando tempo de mim e tempo de você.
Tentando ser ousados na criação e nas decisões.
Nos palácios, os opressores de hoje riem de nossos anelos,
Mas nós daremos rédeas à imaginação quando ficarmos sós.
(17)
Nosso ficar a sós servirá para perturbar todo o universo.
Servirá para acabar com as leis dos “dinossauros”.
Para uma olhadela melhor às auroras.
Servirá para um mergulho fundo dentro de cada poro nosso.
Em verdade, em verdade vos digo:
Iremos implodir milhões de silêncios
E criar novas estrelas rubras
para iluminar nossas futuras madrugadas.
(18)
Fiquemos sós.
“Queres ficar a sós comigo?”
Venha então.
Conheceremos melhor as vitórias e as derrotas.
Nas rugas de nossas peles saberemos quem somos,
Para onde vamos e qual o objetivo desta missão.
Em verdade, em verdade vos digo, ó homem simples:
O saber dos sonhos cria em mim o dom da palavra.
O saber das lutas cria em mim o desejo da vida.
Em verdade vos digo: Ao ficarmos sós
Entraremos em contato com todas as raças do mundo.
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Canto terceiro

Delimito no infinito do horizonte
A dor escondida guardada dentro dos homens
Crio marcos e marcas para todos os viajantes
E profetizo o verso ainda não posto à mesa.
Até alcançar este limiar cheio de mim
Limiar que pretende ser eterno
............................................................
(19)
As esperanças ainda estão vivas nas ruas
Apesar de os olhos dos homens não brilharem
Como nos dias de antanho.
Quase todos estão trêmulos e sozinhos e ansiosos
Um tanto esquivos das suas realidades.
Talvez pensem que tudo esteja perdido
E que o reinado da dor e da morte tenha se revigorado.
Em verdade, em verdade vos digo:
Não devemos nos esquivar daquilo que vivemos
É preciso reunir nossas forças na beira de todos os rios
Antes que as sombras da morte
Derrubem a estrela perpétua do seu altar de sonho.
(20)
Meus queridos, a Pátria Nordeste não é uma terra morta
Cheia de cactos selvagens.
Ela é a imagem dos olhos das crianças.
Das nossas mulheres e dos homens voluntariosos.
Não deixemos que o lampejo da bandeira rubra
Se deixe ficar agonizante nas mãos dos crentes que beijam
As bandejas dos desvarios e das loucuras do ouro.
No reino de dentro de cada um de nós
Não devem existir disfarces. Em verdade vos digo:
Temos de nos comportar como se o vento nordeste
Seja um frêmito de guerra com garras flamejantes.
(21)
Não somos homens imbecis nem esclerosados.
Não somos fantoches nem marionetes.
Estamos amparados uns aos outros pelo suor
A escorrer através dos poros quando trabalhamos a terra.
E quando gritarmos juntos e unidos,
O sussurro da vitória será um trovão
Que de tão formidável
Abalará as entranhas dos comensais da morte.
Caminhemos! Caminhemos! A estrada é longa!
Vamos buscar mulheres e homens!
O Senhor da Liberdade respira
E tem seu livro sagrado escrito na pele amarfanhada
Dos humanos tristes e pobres.
(22)
Os queridos que escolheram andar na outra margem
Deixaram de aceitar a realidade destes tempos.
“Ah, como é violenta essa vida!” – pensaram.
Eles entregaram gratuitamente as almas ao deus do bordel
E aos homens que usam o livro sagrado para fundar igrejas.
Foram empalhados como espantalhos e programados
Para vender a fé como um trago de cachaça
E para roubar a moeda do bolso do pobre.
Será contra essa nação de hipócritas que iremos lutar.
Não vamos dizer que possuímos a voz da divindade.
Possuímos nossa verdade e nossa fome.
Nossa pobreza e nossa honestidade.
(23)
Em verdade, em verdade vos digo:
O vento nordeste está cantando solenemente o hino
Da mais cruel realidade da nossa vida.
Que os hipócritas fiquem longe, não se aproximem.
Nem mais um passo deem.
Estamos em frêmito de concepção,
Pois somos a raça dos escolhidos.
Antes que as águas cubram as planícies,
Em verdade vos digo:
Antes que a vontade dos corruptos seja cumprida
Os brotos das árvores serão muitos mais novos
Que as raízes postas no chão pelas mãos dos opressores.
(24)
Eis aqui: nosso maior anseio.
Eis aqui: nossa ideia essencial.
Eis aqui: a explosão de nossos suspiros.
A pétala da flor vermelha se reabre
Quando ganhamos mais uma vez o dia
Ao rufar dos tambores da vitória dos nossos heróis.
(25)
Qual caminho você vai escolher, meu amigo?
Não, nada disso.
Eu não estou fazendo papel de místico.
Eu sou um guerrilheiro espirituoso.
Sou um peregrino a viver das minhas explosões verbais.
Não vou obrigar ninguém a seguir caminhos.
Se você prefere a derrota, siga!
Também é muito bom sofrer derrotas.
Com elas aprendemos o sentido da vida.
(26)
Eu falo porque quero falar.
Gritarei quando desejar gritar.
Faço parte do mundo e o mundo é meu.
Os hipócritas que nos governam não são donos do mundo.
Está envergonhado de mim?
Que assim seja.
Mas em verdade, em verdade vos digo:
Ao ficar envergonhado de mim
Você estará mais do que nunca sendo covarde.
E como um leproso pensando não ter cura
Esconder-se-á nas cavernas do próprio medo.
Em verdade vos digo:
Não ando pelo mundo a derramar lágrimas de lástima.
Nem vou gemer e me acovardar
Para ganhar as honrarias dos chefetes de última classe.
(27)
E então eu pergunto outra vez:
Quer ficar a sós comigo?
Este ficar a sós não significa esconderijo
Significa guerra. Significa luta.
Significa que iremos tocar fogo nas histórias oficiais
Escritas pelos que se dizem donos da verdade.
Quer ficar a sós comigo?
Mostraremos o quanto somos válidos
E não iremos criar leis
Para termos desculpas a serem descumpridas.
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Canto Quarto

Crio marcos e marcas para todos os viajantes
E delimito no infinito do horizonte
A dor escondida guardada dentro dos homens
Até alcançar este limiar cheio de mim
E neste limiar que pretende ser eterno
Profetizo o verso ainda não posto à mesa.
..................................................................................
(28)
Eis-me aqui na terra completamente seca...
Um rosto enrugado de homem olha para o céu
Buscando as águas da chuva.
Nas suas pequenas e rústicas casas, as crianças
Brincam com a sopa de suas próprias fomes.
Mas o homem tem o olhar da esperança
Mergulhado até o fundo da retina no horizonte.
Esperando e contando nos dedos
Os poucos grãos de feijão que poderá ter
Após umas poucas gotas de água caírem por sobre a terra.
(29)
E eis nos palácios dourados a safadeza das autoridades
Prometendo mundos e fundos para florir a terra seca
E preparando o corpanzil para voar
Até as paisagens europeias,
Onde poderá gastar o dinheiro do suor do outro.
E desovar em algum recanto de Manhattan a sabedoria
Que julgam apenas eles a possuir por ser governo.
Em verdade vos digo, ó párias do dólar:
Há de chegar o dia em que suas casas serão invadidas
Pelas almas mais simples desta nação.
Há de chegar o dia em que todos vocês ficarão
Olhando tristes para os remendos
De suas calças e de suas casacas.
(30)
A voz dos deserdados ainda não é forte o bastante
Para rugir o trovão da guerra nas caatingas,
Mas os espíritos hoje são outros.
Não são adolescentes seguindo uma coluna vermelha.
Eu também não pretendo ser um líder.
O homem da salvação chegará no momento certo
Marcado há muito tempo na história da raça.
Ele virá quando as águas dos rios
Começarem a cobrir as praças.
Quando o mar ocupar os vazios do espaço a ele tomado.
E ele será muito mais que o Enviado.
Não será um Guevara nem um Cristo.
Não será um Maomé nem um Buda.
Será simplesmente ele: o homem do tempo definitivo.
O homem da agitação.
O homem da luta.
O homem vindo para sangrar.
(31)
Em verdade, em verdade vos digo:
O devir não mais será como está nos “livros históricos”
Escritos pelas classes dominantes.
O homem a surgir será o mais forte de todos os homens.
Beberá terra para matar a sede.
Comerá vento para matar a fome.
E estará dando seu sangue a todos os companheiros
Postos ao seu lado na perseguição da verdadeira vida.
Em verdade vos digo:
Ele não vai enveredar pelos ardilosos caminhos
Da história oficial escrita pelos vendilhões dos templos.
(32)
Portanto, querem ficar a sós comigo?
Ao pé de qualquer rocha deste nosso Nordeste
Esculpida pelo vento rebelde das fronteiras
Veremos o verdadeiro significado do tempo.
A palavra medo será riscada do dicionário.
E nunca mais iremos enveredar pelos labirintos
Engendrados pelos ladrões da inocência
Para dar uma ilusão de vida aos nossos filhos.
Em verdade, em verdade vos digo:
Será para sempre e será logo.
Ele virá a nós para o povo voltar a ser pescador dele mesmo.
Ele estará ao nosso lado designando como será a luta
Para aprisionar os homens que dizem possuir a voz de Deus
E que vendem ilusões como se vende cachaça.
Ele chegará para extravasar a ira mais honesta.
E para render tributo ao homem do Brasil nordestino.
(33)
Marcos e marcas.
Vermelha é a cor das almas dos homens
Enxada e martelo e foice centenárias
Na espera da ressuscitação.
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Canto Quinto

Para todos os viajantes e caminheiros
A dor escondida fica no infinito do horizonte.
Cria marcos e marcas no limiar cheio de mim
Até alcançar o vazio que pretende ser eterno
Profetizando o verso ainda não posto à mesa
Escondido dentro das almas dos homens
....................................................................
(34)
Eis que ele está chegando:
O homem do tempo definitivo!
O homem da agitação!
O homem da luta!
Em verdade vos digo:
Ele vem para agitar as almas e ganhar o dia.
No grande encontro dos rios da cidade
Encaminhará ao fundo do oceano as dores
E as tristezas dos menos aquinhoados.
E nos abismos abissais fará naufragar
As estratégias dos governos opressores.
Eis que ele vem: definitivo como a morte.
(35)
E você que por aqui passa, qual será o rumo a escolher?
Você diz não possuir rumo e caminha
Como se a vida estivesse escrita desde seu nascimento.
Em verdade, em verdade vos digo:
A vida vai começar a ser escrita no futuro
E você deverá fazer parte dessas escrituras
Ao lado da maior força jamais vista na terra.
Não tenha medo e não tenha vergonha.
São teus filhos que necessitam de espaço
E de novos verdes e de lares mais calmos.
(36)
“Para que isso?” - pergunta o pobre de espírito.
“Eu já tenho o que preciso e nada devo aos outros
E meus filhos retratam a minha vida.
Para que esse místico homem definitivo?
Tudo que construí eu fiz e nada mais.
É necessário deixar de curtir o realizado?”
Em verdade vos digo, pobre humano ignorante,
Não há misticismo no homem definitivo.
Ele é o que é e o que são todos.
Ele não é o retrato da lástima nem da miséria.
E muito menos covarde para se esconder
Por detrás dos ombros dos exploradores da terra.
(37)
Ah, quando os queridos da Pátria Nordeste
Empunharem o mastro do emblema do homem
A terra irá tremer desde o Itapecuru ao Capibaribe.
E então será tarde para os crentes tomarem tento
De tudo que foi dito e ficou escrito há antanhos.
Em verdade, homens da terra, eu vos digo:
Será criado um vácuo aos pés dos opressores
E grandes caminhos de salvação para os oprimidos
O chão será de lama para muitos.
E de podridão para outros.
Mas os escolhidos serão os enérgicos
A fincar com teimosia a bandeira da luta
Pela grandeza da vida.
(38)
Nossa será a terra. Nosso será o reino absoluto
Ao lado do emblema rubro da vida.
Serão nossos os rios e as vegetações das margens.
E poderemos possuir todos os recursos minerais
E lavrar em prata e cobre nossas próprias moedas.
Porém, o homem definitivo não terá efígie
A ser desenhada em notas monetárias.
Ele será a imagem permanente de todos os homens
E mulheres e crianças e animais e plantas.
Em verdade vos digo, verdugos da vida:
Chegará o tempo em que subirão ao cadafalso
E aos gritos verão suas cabeças entregues aos carrascos.
(39)
E os hinos de força sairão das gargantas libertadas
Ressoando por toda a extensão da pátria
Do Itapecuru à desembocadura do Capibaribe.
“Sou o predestinado para traduzir a nova língua.
Os sabores da liberdade estão em mim e sobre mim
E os oferto para vocês, queridos da terra.
Os horrores dantescos dos infernos serão entregues
Aos infiéis e aos habitantes dos grandiosos palácios”.
Em verdade vos digo, em verdade proclamo:
Os hinos de força da vitória maiúscula
Sairão das gargantas dos mal vestidos e dos famintos.
E serão traduzidos em uma nova língua
Dentro das noites nordestinas,
Das grandes luas cheias e das brilhantes estrelas.
 ........................................
Canto Sexto

Escondido dentro das almas dos homens
Profetizo o verso ainda não posto à mesa
Crio marcos e marcas no limiar cheio de mim
Até alcançar o vazio que pretende ser eterno
E para todos os viajantes e caminheiros
Trago a dor escondida no infinito do horizonte
............................................................................
(40)
Todos deverão ficar a sós comigo
Quando os rios e o mar levarem de roldão as terras
E quando os grandiosos palácios na ruína
Desabarem para sempre no lodo e na lama.
E aquele que virá com a amplidão da noite
Ou a da aurora
Terá uma imensa multidão para escutar
Seus hinos de guerra e de liberdade.
Em verdade vos digo, homens simples:
Ele trará a permanência da agonia para os donos do ouro
E para os homens que vendem a fé como cachaça.
E o deus que estará ao seu lado terá parecença
Com a verdadeira imagem dos humilhados e perseguidos.
(41)
Eu sou apenas a voz a clamar no deserto de hoje
Para mostrar aos homens o tempo a vir
Não sou aquele conjugado no pretérito
Sou apenas a voz a gritar do meio das caatingas
A mesma coisa que vocês poderão ver e dizer
Aos filhos e aos netos e os netos aos filhos.
Pois a história irá marcar o homem definitivo
No que ele sempre é e no que sempre será.
Ele é o tempo futuro a abrir portas e janelas
A todos os futuros tempos dos homens.
(42)
Ao chegar perto dos escolhidos a voz retumbará:
“Sou aquele pelo qual o sangue do Nordeste do Brasil
Pediu com urgência à majestade superior.
Sou aquele que possui a noite amarrada ao dia.
Eu sou o que sou. Homem e poeta peregrino.
Guerrilheiro e abençoada matriz do mundo.
Eu vim e vou e não passo.
Estou aqui para matar a sede de justiça
Estou aqui para alegrar os desafortunados.
Em verdade vos digo: eu vim, vou e continuo indo.
Sou a emoção verdadeira e o rubi brilhante
Da bandeira empunhada pelos corações dos homens”.
(43)
E aos opressores e aos corruptos virá o clamor:
“Valerá a pena ver minha chegada bem de perto.
Valerá a pena ver os vossos jardins com as flores murchas.
Eu sou o incriado que saiu
Dos parafusos das vossas fábricas
E das fumaças poluidoras.
Sou o redivivo da vingança
E vim trazer a vós outros a agonia absoluta.
Minha espada está sendo colocada à prova
Desde algumas centenas de anos, ó infiéis.
E agora que cheguei aos vossos jardins
Não haverá perdão para os marasmos e para o cansaço.
Eu sou aquele a quem o beijo da traição republicana
Molhou as ruas com o sangue dos meus inocentes.
Eu vim. Eu vou. Eu não passo.
Sou o homem definitivo para rir de vossos remorsos”.
(44)
“Tirarei a paz de espírito dos governos gananciosos.
E ninguém mais em toda a confusão das galáxias
Tornar-se-á partícipe da inclemência dos corruptos.
Eu vim. Eu vou. Eu fico e não passo.
Sou o imortal a viver dentro das casas de taipa.
Sou o espírito redivivo das árvores derrubadas.
Sou a mente elementar da terra nordestina
Assaltada e violada pelos vendedores de deuses
E pelos ditos grandes filósofos visitantes de Manhattan.
Vou mostrar quanto valho. Verão meu entendimento
No expirar do vosso mundo e na chegança do reino
Permanente dos famintos e deserdados”.
(45)
Depois, ele não mais irá precisar revogar palavras.
Os crepúsculos serão de todos, bem como as tardes,
E as manhãs e as noites quentes ou frias.
Depois, ele não mais precisará repetir a voz
Deste cantador que profetiza nas caatingas a sua vinda.
Em verdade vos digo: ele será a palavra e a voz finais
Para decidir e revisar todos os horários do reino.
Será a mulher mais bela e desejada da pátria
E o homem másculo e enérgico em busca da vida.
Eu digo: ele habitará os becos e as vielas escuras
E será uma luz a iluminar o coração dos homens
Eu digo: Ele foi, é e será o homem definitivo
A empunhar a bandeira da liberdade e da vida.
(46)
Na espera da ressuscitação.
Martelo e enxada e foice centenárias.
Marcos e marcas.
Vermelha é a cor da liberdade dos homens.
 .....................................
Canto Sétimo

Do infinito do horizonte trago a dor escondida
E profetizo o verso ainda não posto à mesa
No limiar cheio de mim crio marcos e marcas
E alcanço o vazio que pretende ser eterno
Para todos os caminheiros e viajantes do mundo
Escondidos dentro de suas almas de homens
.........................................................................................
(47)
Eis o clamor daquele que profetiza nas caatingas:
Em um tempo não muito mais longe que um tempo
Todos irão conhecer a todos sob as matizes
Das vermelhidões dos crepúsculos e das auroras.
Eis o clamor definitivo da nossa raça!
Eis o clamor profético vindo dos leitos secos dos rios:
A vida de cada um será julgada pelo ganho e pelo roubo
E o homem e a mulher nascidos na miséria...
E o homem e a mulher que não possuem terra...
E o homem e a mulher sem face corruptora...
Terão lugar ombro a ombro, mão a mão,
Junto ao homem definitivo.
(48)
E a terra deixará de pertencer
Aos canalhas e às suas corjas.
Os padres e pastores vendilhões da fé
Deixarão de violar as mentes.
E os herdeiros do homem definitivo alcançarão o topo
E agitarão para o resto do mundo a cura do câncer maligno.
Em verdade, em verdade vos digo:
Os humildes não sobrevivem nos dias de hoje
Porque existe um grande câncer corroendo a República.
Em verdade, em verdade vos digo:
Hoje a escravidão do homem tem outro nome
Escrito nos dossiês de RH
Dos gananciosos patrões.
(49)
As vozes dos humildes tomarão outros rumos
Lado a lado, mão a mão com o homem definitivo.
Eu vos digo: os dias serão medidos com calma e vagar.
Os governos pagarão caro a desdita do homem da terra.
Eis o clamor do profeta das caatingas:
O maior mentiroso é quem deseja desgovernar o país!
Esse é um cancro hereditário vindo da raça dos cabrais.
Cancro que precisa ser extirpado com urgência,
Juntamente com os outros cancros da mentira
A se esconder nas vestes ornamentadas das religiões.
Padres mentem.
Pastores mentem para o bem dos cofres das igrejas.
(50)
O que devemos fazer com essa gente que não nos respeita?
Precisamos com urgência retirar do arquivo morto
A foice, o martelo e a enxada.
Precisamos ressuscitar a cor vermelha da liberdade
Estes serão os futuros e grandiosos marcos da vida.
Em verdade, em verdade vos digo, ó homens simples:
Não será mais necessário fazer a marcha de uma coluna.
Todos estarão ombro a ombro, peito a peito, mão a mão.
Com a ideia concreta do homem definitivo
Trazendo do infinito do horizonte a dor escondida
Para todos os caminheiros e viajantes do mundo.
(51)
Valerá a pena retirarmos a cabeça dos travesseiros.
Comprimir as ideias dos gananciosos numa bola de papel.
Valerá a pena dizer:
“Estou dizendo isso, porque assim deve ser.”
“Estou fazendo assim para que meus filhos possam viver.”
Valerá a pena cortar a voz dos políticos pela raiz,
Antes que comecem a colocar
Emblemas de promessas em nossos ouvidos.
Valerá a pena dizer: “Não! Isso é mentira. Vocês mentem!
A única verdade está conosco e dentro de nós.
E essa verdade é nosso reino”.
Em verdade vos digo, ó homens humildes da terra:
Nós ressuscitaremos nossa ideia
Como se ressurgindo de entre os mortos
Mas nem mortos estávamos e nem mortos estaremos.
Retornamos para o cumprimento da ação final
E valerá a pena ver a chegada do homem definitivo
Dentro dos corpos de todos
Os homens e mulheres do mundo.
(52)
Eu já vos disse e mais uma vez repito:
Meus queridos,
A Pátria Nordeste não é uma terra morta
Cheia de cactos selvagens.
Ela é a imagem dos olhos das crianças.
Das nossas mulheres e dos homens voluntariosos.
Não deixemos que o lampejo da bandeira rubra
Se deixe ficar agonizante
Nas mãos dos césares que beijam
As bandejas dos desvarios e das loucuras do ouro.
No reino de dentro de cada um de nós
Não devem existir disfarces.
Em verdade vos digo, mais uma vez e outra vez:
Temos de nos comportar como se a alma do Nordeste
Seja um frêmito de guerra com garras flamejantes.
...................................
Canto Oitavo

No limiar cheio de mim crio marcos e marcas
E alcanço o vazio que pretende ser eterno
Do infinito do horizonte trago a dor escondida
Para todos os caminheiros e viajantes do mundo
E profetizo o verso ainda não posto à mesa
Escondido dentro das almas dos homens
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(53)
Está perto o momento em que
Os arquivos de RH dos gananciosos
Receberão a visita daquele que nunca veio,
Mas que sempre está e sempre renasce.
Ele irá rasgar as atas e os estatutos
Das mentiras oficiais que regem a ideia dos salários.
Porque o homem definitivo sabe:
A escravidão nunca acabou sobre a face da terra.
Apenas ganhou outro nome e outro eufemismo.
Agora a escravidão é chamada de emprego
E quem lucra são os vendilhões dos templos.
E quem zomba do homem da terra
São os patrões e os corruptores da nossa verdade.
(54)
Bem-aventurados aqueles que acusam.
Bem-aventurados os que ousam dizer:
“A história escrita da pátria é uma grande mentira.
É a lavagem dos cérebros para o uso das máquinas.
É o beneplácito dos governos para o uso do dinheiro
Ganho pelo suor dos homens da terra durante séculos.”
Estes estarão lado a lado com o homem definitivo
Quando ele quebrar as correntes e libertar os escravos
E rasgar as atas e os estatutos das mentiras oficiais.
E, ainda: Bem-aventurados aqueles que sofrem
Por não possuírem casas de pedra para abrigar os filhos.
Também serão herdeiros da ideia. Eles farão o reino
Brilhar como a luz solar alimentando o oxigênio da terra.
(55)
E o profeta das caatingas continua seu clamor:
Mentiroso é quem busca o desgoverno!
Mentiroso é quem eleva um deus
Aos altares dos templos em busca do ouro dos pobres.
Eles são muitos. Mas são covardes, ímpios e corruptos.
Matam para calar o verbo. Assassinam a verdade.
Mas eu vos digo, ó homens simples:
A ideia do homem definitivo será a salvação da pátria.
E ela virá cedo ou tarde, ainda que o sol deixe de nascer
Ou a lua seja desviada para outros recantos do universo.
Em verdade vos digo: A única salvação é esta ideia.
E ela está escrita nas palmas das mãos dos humildes.
(56)
E mais uma vez repito. A voz ressoará o clamor
A ser ouvido do Itapecuru ao Capibaribe:
“Eu vim. Eu vou. Eu fico e não passo.
Sou o imortal a viver dentro das casas de taipa.
Sou o espírito redivivo das árvores derrubadas.
Sou a mente elementar da terra nordestina
Assaltada e violada pelos vendedores da fé
E pelos ditos grandes filósofos visitantes de Manhattan.
Vou mostrar quanto valho. Verão meu entendimento.
No expirar do vosso mundo e na chegança do reino
Permanente dos famintos e deserdados”.
(57)
“Não sou Cristo. Não sou Guevara.
Não sou Maomé. Não sou Buda.
Não sou Oriente. Não sou Ocidente.
Sou Norte e Nordeste.
Sou o espírito do grande chefe de Canudos
Redivivo nas almas e nos olhares dos famintos.
Eu chego. Eu vou. Eu passo. Eu fico e transmito
A glória de cada um possuir o que merece
E repartir com o outro aquilo que ao outro falta.
Recebo com carinho todos os bem-aventurados,
Todos os que acusam os vendilhões.
Estarei lado a lado com os sem-teto
Bem-aventurados são esses homens de bem
Que não roubam o suor do outro nem a vida do irmão.
Todos estes farão parte do reino que há de vir
Todos farão o Belo Monte das cidades libertas.
E cedo ou tarde estaremos nas culminâncias,
Quando o mar cobrir os grandes arranha-céus
E quando os rios ocuparem seus leitos roubados.”
(58)
“O vazio se encherá de mim e eu serei todos.
O verso estará posto à mesa para matar a fome.
A dor escondida desaparecerá no horizonte.
E os marcos e as marcas do mundo serão outros,
Pois nascerá um novo céu e uma nova terra
Anseio antigo a viver escondido nas almas dos homens.
Já estou entre vocês, ó meu povo,
Já estou voando entre vós, queridas aves.
Beijo minhas arvores e deito em meus campos.
Aceitai o meu retorno. Aceitai minha vinda.
Vinde aos meus braços, meus queridos da pátria!
Vinde para meu lado, homens sem-teto!
Vinde até mim, pequeninos artesãos!
Não há vitória sem luta e as batalhas serão muitas.
A guerra não acabou em 1897.
Os tabuleiros nordestinos ainda estão banhados em sangue.
Vinde a mim, guerreiros voluntariosos!
Eu sou o homem definitivo.
E vocês serão os definitivos homens e mulheres
Donos dos rios e das planícies.
Serão os definitivos a apascentar no futuro
Os animais e as plantas que habitam o céu e a terra.

Está escrito! Assim seja!”