sábado, 22 de agosto de 2015

BRUMAS DO NUNCA SE ESQUECER - Poema de Rafael Rocha escrito e lido no Recife, em março de 1978

(Contra a obstinação dos ditadores fardados
as estrelas luziram dentro da noite, tímidas e
envergonhadas com a desmoralização
dos seus átomos girantes)


Hoje, corpos esqueléticos
Buscam a fuga das correntes negras
No calabouço onde imolaram a pátria
E os homens simples com seus bigodes e sapatos.
A dignidade foi pisoteada no fogo dos fuzis
Em ordem unida, degredados
Os verdadeiros juízes, mortos
Os bravos defensores dos operários.
Assim, puseram a toga sobre fantasmas vesgos,
Marionetes para guardar o futuro nos bolsos
E a justiça nas escrivaninhas de boa madeira.
A terra foi loteada com os agiotas ianques
E com os internacionais do lucro fácil.
Os soldados, infantes defensores da liberdade,
Tornaram-se guardiões
Das grandes redes bancárias,
Dos monopólios e dos trustes.
As escolas foram açambarcadas
E as universidades esculhambadas;
O feijão e o trigo doados aos atravessadores
Com a condição de não faltarem
Com o juro dourado aos “luminares das estrelas”.
Ofertaram para as crianças
Pelos canais televisivos
E livros de história,
velhas mídias fascistas
e verbos de cultura alienígena,
canhões e botas rugindo
como novos salvadores.


(Chama-se a isso lavagem cerebral
que diziam em linguagem culta:
educação cívica e moral)


Fez-se a apologia do deus dos fariseus:
Um altar ao Grande Bezerro de Ouro.
Senadores e deputados e ministros
Correram a realçar as leis
Especulando com francos e dólares,
Palácios e moradias campestres,
Enquanto os reais donos da terra
Dormiam com ratos e baratas
E grandes surtos epidêmicos.
Degolaram os mais fortes humanistas
E concentraram os mais fracos
No campo dos desaparecidos.
Aos poetas tentaram cortar as asas
E a poesia insistiu em caminhar pelo mundo.
Foi preciso, pois, criar a cloaca:
As casas de sujeição e de torturas
Com uso das correntes elétricas
Nos testículos, nos ânus, nas línguas
E sobre escorregadios paus-de-araras.
Depois, criaram lacaios nas casas de esperança.
Religiões capitalistas nasceram do lucro fácil
E gritos ásperos de Cólera e medo
Surgiram das artérias do povo
Contra os idiotas “luminares das estrelas”.
No fim, criaram a lei antipátria:
Obrigação de
Subornar,
Negociar,
Infectar,
Coagir,
Coonestar,
Confinar
e especular com as raízes da terra.
E, então, dentro dessa opressão sanguinolenta
A dor/silêncio criou ecos em todos nós:
Penando sobre sete chaves, o homem
Busca romper as cercas de arame,
Suas palavras jorram violentas dos lábios,
Seus pés insistem em trazer o corpo às ruas
E por esses produtos de lágrimas e dores
Dimensão de almas violentadas
Vem a supernova vermelha deglutindo
As frágeis estrelas dos opressores de sua vida
E mercadores de sua dignidade.

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