sábado, 30 de abril de 2016

INIMIGO MEU - Rui Amaro Gil Marques

Sim, você é como todos que se aproveitam dos fracos
Que manipulam e exploram os ignorantes
Você é só mais um falso e hipócrita
Mais um que se esconde sob o manto da religião
Para ganhar dinheiro e poder
Você é só mais um inimigo meu
Inimigo meu, sim
Inimigo da verdade
Mentiroso e serviçal do sistema
Inimigo da liberdade
Inimigo meu, sim
Você com esse seu discurso de paz apoia a guerra contra nós
Sua religião é tão falsa quanto você
Falso profeta é o que você é
Inimigo meu, sim sim, inimigo meu
Não posso me calar frente aos seus abusos
Não posso me calar frente as suas mentiras
Não posso ficar quieto
Não posso aceitar essa hipocrisia toda
Inimigo da verdade inimigo meu, sim
Sim, inimigo meu
Sua religião é tão falsa quanto você
Lutar contra esse seu mundo é preciso
Lutar contra a mentira
Fazer revolução é o caminho
Revolução é o caminho
Você inimigo meu, sim!
Sim, inimigo meu!
Foda-se! 

EM MAIO – Oswaldo de Camargo

Já não há mais razão para chamar as lembranças
e mostrá-las ao povo
em maio.
Em maio sopram ventos desatados
por mãos de mando, turvam o sentido
do que sonhamos.
Em maio uma tal senhora Liberdade se alvoroça
e desce às praças das bocas entreabertas
e começa:
"Outrora, nas senzalas, os senhores..."
Mas a Liberdade que desce à praça
nos meados de maio,
pedindo rumores,
é uma senhora esquálida, seca, desvalida,
e nada sabe de nossa vida.
A Liberdade que sei é uma menina sem jeito,
vem montada no ombro dos moleques
ou se esconde
no peito, em fogo, dos que jamais irão
à praça.
Na praça estão os fracos, os velhos, os decadentes
e seu grito: "Ó bendita Liberdade!"
E ela sorri e se orgulha, de verdade,
do muito que tem feito!

MEU MAIO - Vladimir Maiakovski


A todos
Que saíram às ruas
De corpo-máquina cansado,
A todos
Que imploram feriado
Às costas que a terra extenua –
Primeiro de Maio!
Meu mundo, em primaveras,
Derrete a neve com sol gaio.
Sou operário –
Este é o meu maio!
Sou camponês - Este é o meu mês.
Sou ferro –
Eis o maio que eu quero!
Sou terra –
O maio é minha era!

ELOGIO DA DIALÉTICA - Bertolt Brecht (1898-1956)

A injustiça avança hoje a passo firme.
Os tiranos fazem planos para dez mil anos.
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são.
Nenhuma voz além da dos que mandam.
E em todos os mercados proclama a exploração:
isto é apenas o começo.
Mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem:
Aquilo que nós queremos nunca mais o alcançaremos.
Quem ainda está vivo nunca diga: nunca.
O que é seguro não é seguro.
As coisas não continuarão a ser como são.
Depois de falarem os dominantes.
Falarão os dominados.
Quem pois ousa dizer: nunca?
De quem depende que a opressão prossiga? De nós.
De quem depende que ela acabe? Também de nós.
O que é esmagado, que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há aí que o retenha?
Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã.
E nunca será: ainda hoje.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

A JANELA REFLETIDA – Juliano Cazarré

Cerrada no vento e no inverno,
Mas nos verões sempre aberta.
Grande e arejada em tempos de paz,
Pequena e sufocante na guerra.

Mudou conforme mudou o homem
Através dos tempos e da terra.
Se hoje está no céu, nos aviões,
Já esteve no mar, nas caravelas.

Palavra no feminino, como as fendas,
Que se realizam quando se abrem,
E nada são quando se fecham.

Palavra também no felino,
Como as felinas pupilas do gato:
Quanto menos luz, mais abertas.

ERÓTICA – Suzana Vargas

O sexo ronda as magnólias,
          pernas se entrelaçam na trepadeira em flor.
          Fundo cinza azul rosa
          para as bocas dos peixes
          mescladas ao silêncio das bolhas

A mesma sombra inquieta das árvores ao vento
          o cheiro da terra úmida
          uma janela aberta para a lua
          são convites

E nem é preciso nomear pênis
          bundas
          só um olhar basta para desencadear
          desejos
          e a dobra do corpo refaz
          a curva na esquina

Bigodes chuva em zinco
          a música do tempo
          e o corpo já galopa em si mesmo

REFÚGIO – Armindo Trevisan

Às praias dão garrafas com mensagens,
ou tábuas em que flutuaram náufragos.

Às praias dão navios com equipagens,
pingüins, baleias que se desnortearam.

Não é diverso o porto de teus lábios:
ali também vão dar tristes suspiros,

Gemidos, alaridos, menoscabos,
e a alegria de giros e regiros

em que te perdes quando amas de fato,
e o teu corpo se rende a um ultimato.

CANTIGA DE POUCOS VERBOS PARA TANTO AMANHÃ – Celso Mendes

vou
talvez volte amanhã
mas não me esperes

se os dias voltarem
volto amanhã
quiçá depois de amanhã

mas não me esperes

há uma esquina em cada lua
um novo estio em cada dobra da retina
há um horizonte de amanhãs a me secar

hoje só parto
amanhã não sei
talvez eu volte
não me esperes
– não precisa –

só não me esqueças amanhã de manhã
pois bem não sei
se tornarei
se eu haverei
amanhã
de manhã
ou depois

e se amanhã houver
lembra-te de alguma palavra minha
se no amanhã
eu não estiver

e voltarei

quinta-feira, 28 de abril de 2016

GATA - Emiliano Pernetta

Na brancura da pele e no gesto macio,
A carícia tu tens e a moleza de gata:
O teu andar sutil é doce como a pata
Desse animal pisando um tapete sombrio...

Tens uma morbidez lânguida de sonata.
Teu sorriso é polido, é fino e é muito frio.. .
Se as tuas mãos acaso eu beijo e acaricio,
Sinto uma sensação esquisita, que mata.

Quando eu tomo esse teu cabelo ondeado e louro,
E o cheiro, e palpo o teu corpo branco e felino,
Como te torces, pois, minha serpente de ouro!

O teu corpo se enrola em meu corpo amoroso,
E o teu beijo me aquece e vibra como um hino,
Animal de voz rouca e gesto silencioso!

AUSÊNCIA – Euclides Bandeira

Recresce, arpoante e funda, a saudade cruel.
Corri ela foi meu sol, partiu minha risada!
Cada dia que passa é uma gota de fel
que se me infiltra na alma e a põe envenenada.

Mais larga a ausência, mais a lembrança dourada
resplandece, espertando emoções em tropel:
o riso, o gesto, a voz; boca a boca soldada,
os seus beijos febris que eram de fogo e mel...

Claro perfil de luz, louro encanto irradiando
o revérbero astral de flavescente véu
que dourava o meu sonho e o verso decadente.

Onde estás? interrogo. E a mágoa cresce quando
sinto tudo em silêncio em torno. .. O próprio céu
misterioso e azul, como os olhos da Ausente...

AD PERPETUAM REI MEMORIAM – Miriam Paglia Costa

maus
versos e bons planos
faço isso há anos
é chumbo o alfabeto que aprendi
escrevo

tenho todos os dentes
peso até excessivo
adoeço raramente
nasci no brasil
logo, não existo

cólicas líricas seguidas de vómito
meu diagnóstico

proletária do espírito
salário não paga minha fome

pedem pão, dou verbo
vergonha não rima nem resolve

às vezes desejo o terror
ilusão do justo restaurado
mas quem garante?

se o tapa é a lei da mão
instaura a selva

eu queria ser inocente

quarta-feira, 27 de abril de 2016

OS PORTAIS DE AURORA – Valdivino Braz

Ó estúpida,
Desgraçada lucidez!
Quantas auroras são em seu relógio?

A hora clara e o sol,
ovo estrelado
na frigideira do dia.

Tartarugas
- tártaras rugas -
num rolo de tarugos.

Este é meu chão.
Devo envelhecer-me ao sol,
apaziguar meu coração.

PAIXÃO – Gilberto Mendonça Teles

- Quanto dura uma paixão?

Uma paixão não dura nada, apenas
a eternidade simples de um sorriso
que, por ser belo, e possuir antenas
capta constantemente o paraíso.

Uma paixão é sempre um peixe grande,
uma alegria que se torna amarga
quando se perde a noite e, na manhã
de sol, se perde o anzol na linha larga.

Nem adianta, aí, mudar de isca,
cevar o poço e procurar no fundo:
o peixe da paixão é sombra arisca
na melhor pescaria deste mundo.

Ela não dura muito e, por ser peixe,
não dura na emoção, não dura nada:
se se perde no fundo, é sempre um feixe
de luz
        - alguma escama nacarada,
caco de vidro, areia no sol quente
que cintila e se apaga, de repente.

SONETO DO REENCONTRO – Afonso Felix de Souza

Nada mais esperar, se o sentimento
que um dia escravo e deus de mim fizera,
é hoje o doce e amargo no alimento
a alimentar quem sou com quem eu era

e nunca o fui, senão em pensamento.
Nada mais esperar? - Mas clama a espera
no fundo do que sonho, quero e invento
com o que resiste, em mim, ao anjo e à fera.

Oh, não mais esperar! - E o desespero
seria em minha voz, como em meus braços,
a espera mais total, do prisioneiro

que, encerrado em si mesmo, sente o espaço ...
Que inteiro está o amor no derradeiro
pedaço deste amor que despedaço.

terça-feira, 26 de abril de 2016

REVELAÇÃO – Renata Bomfim

Com Freud e Lacan, muito sexo.
Flerte com Foucault.
Com Bakhtin, pura amizade.
Mas com Jung, amor.

Com Deleuze, um chá à tarde,
Com Baudelaire, cigarro, rapé, campari.
Conselhos tomo com o Jameson,
Mas sigo sempre as dicas do Paz.

Sedutores pirados, visionários, poetas,
Combinam bizarrices e genialidade,
Roubam meu tempo, minhas letras e
Partem falando de mim. Fica a saudade.


VIGILIA – Geir Campos

Não, meu amigo, não precisas ter
nenhum cuidado: havendo o que cuidar,
cuidarei eu constantemente a te poupar
coitas que vão teu coito arrefecer.

Coitado de quem deixa a noite ser
vinda fora de tempo e de lugar
sombreando as alturas do prazer
com rasteiras tribulações do lar.

Antes que venha a noite, vai o dia
mostrando os horizontes de alegria
que tem a palmilhar no corpo dela:

são costas, são gargantas, são colinas
- toda uma geografia em que te empinas
enquanto pelo teu meu amor vela.

VAZIO – Aline Yasmin

é um nó

é um só bem fundo

tem cheiro de festa desfeita
cara amarela
buraco sem rumo
^doença sem cura
ferida
loucura
pão velho
sopa estragada
chá com açúcar
roupa jogada

esse vazio tão só
tem cara de sol na cabeça
de jardim sem cuidar
e uma dor no peito
rasgando bem devagar

tem jeito de gato miando
num velho filme noir

A ORIGEM DA NOITE – Jorge Tufic

A Noite era um fantasma que se repartia
entre a luz e a escuridão.

Um lado desse fantasma era escuro e feio.
O outro lado era claro e bonito.

Nãmi, era como se chamava o dono da Noite.

Os grilos teciam as folhagens do sono
enquanto o pássaro japu tratava de afastar,
com seu bico,
as cortinas da madrugada.

Antes de dar a Noite a seus netos,
Nãmi comeu ipadu e fumou olé-o (cigarro).

O resto dessa estória ninguém sabe,
porque uma parte dela ficou com a Gente da Noite
e a outra parte ficou com a Gente do Dia.

LARANJAS E FANTAS – Walquiria Raizer


Eu te avisei!
...disse Mário com cara de Maria...
(como se houvesse menos multa
quando se buzina antes de passar o sinal)

Avisou sim é verdade,
mas queria não ser entendido.
Avisou só por desencargo.
E isso não conta.

Disse que o ipê floria,
que era amarelo e só.
Disse que era desse jeito todos os anos,
e que não pensava em mudar.

Mas o ipê muda Mário,
e sou eu
é que estou te avisando.

Há de nascer laranjas nele...

Se não nascer eu mesma subo
e prego umas garrafas de fanta.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

ANDARILHO – Rafael Rocha

Do livro “Poemas Escolhidos”

Eu conheço-me homem de há tempos idos
Eterno componente de água vagabundo
Poeta em desvario de fogo e irmão da terra.

Sou entregue ao mundo em paixão extrema
Eterno componente de ar embebedado
Destinatário de canções e dono do espaço.

Existindo outros mundos eu habito neste
Signo de água, fogo, terra e ar
Minha beleza é totalmente desatada e louca.

Sou andarilho de universos insolentes
E no caminho das andanças o perseguidor
Das horas permitidas à paixão do meu amor.

CRUEL – Vespasiano Ramos

Ah, se as dores que eu sinto ela sentisse,
se as lágrimas que eu choro ela chorasse;
talvez nunca um momento me negasse
tudo que eu desejasse e lhe pedisse!

Talvez a todo instante consentisse
minha boca beijar a sua face,
se o caminho que eu tomo ela tomasse,
se o calvário que eu subo ela subisse!

Se o desejo que eu tenho ela tivesse,
se os meus sonhos de amor ela sonhasse,
aos meus rogos talvez não se opusesse!

Talvez nunca negasse o que eu pedisse,
se as lágrimas que eu choro ela chorasse
e se as dores que eu sinto ela sentisse!...

MIRITIBA – Humberto de Campos

É o que me lembra: uma soturna vila
olhando um rio sem vapor nem ponte;
Na água salobra, a canoada em fila...
Grandes redes ao sol, mangais defronte...

De um lado e de outro, fecha-se o horizonte...
Duas ruas somente... a água tranqüila...
Botos no prea-mar... A igreja... A fonte
E as grandes dunas claras onde o sol cintila.

Eu, com seis anos, não reflito, ou penso.
Põem-me no barco mais veleiro, e, a bordo,
Minha mãe, pela noite, agita um lenço...

Ao vir do sol, a água do mar se alteia.
Range o mastro... Depois... só me recordo
Deste doido lutar por terra alheia!

MAL SECRETO – Raimundo Correia

Se a cólera que espuma, a dor que mora
N´alma e destroi cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse o espírito que chora,
Ver através da mascara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez, existe
Cuja ventura única consiste,
Em parecer aos outros venturosa!

O VIOLINO DO ARTISTA – Dunschee de Abranchez

Só lhe restava o mágico violino
nessa vida de eterno sofrimento;
único amigo, um outro peregrino
na rota desgraçada do talento.

Como sentia o mísero instrumento,
nessa alma rude, um lenho pequenino,
que tinha em mãos do dono um sentimento
que era "mais do que humano, era divino!"

E juntos iam no fulgor das cenas
confundir num adágio as suas penas,
irmãos na glória, gêmeos no tormento!...

Mas morto um dia o artista, gente absurda
quis tocá-lo... mas ah! tinha a alma surda...
já não sentia o mísero instrumento!...

domingo, 24 de abril de 2016

D’ÁFRICA – Juarez Pedrossiano Goitá

Levantar a dor sobre meu corpo
transgressor.
A vida assassinada pelo chicote
do feitor.
Coração negro não me abate
nessa dor.
Só tanto dói saber esse látego
ser da mesma cor
d’África,

Ah! Como é ruim saber tanto
desamor.
Ainda ver/sentir a senzala viva
a casa grande em flor.
A um negro/negra bater em mim
sem dó
Sem dizer o argumento bom
para um da mesma cor
bater/matar.

Meu corpo negro tem história viva
d’África
E aflição de viver esse paroxismo
de amor...


O CASO DOS DOIS BEIJOS – Paulo José Cunha

No tapete ao lado da cama,
hoje pela manhã,
encontrei dois beijos vadios
que se desprenderam à noite
de teus cabelos
e caíram no chão.
Um deles (o mais tímido)
machucou-se um pouco na queda,
chora e só fala em voltar pra casa.
Já o outro, de uma família de saltimbancos,
em troca de dois vinténs
tomou o lugar de um dos meus.
Agora, teu beijo saltimbanco anda comigo.
Faz piruetas dentro do bolso da calça,
e diz que nunca mais voltará pra casa.
Enquanto isso o meu beijo, um andarilho,
fugiu e agora anda contigo.
Tem feito longas caminhadas pelo teu rosto,
se enrosca em teus cabelos,
escorrega pelo teu corpo,
pendura-se no bico de um seio,
vez por outra se esborracha no chão,
e, com um sorriso safado,
abre os bracinhos
e diz umas piadas sujas
que te fazem rir,
encabulada...

HAMLET – Alcides Freitas

Não sei que estranha dor meu peito dilacera,
Que esquisito negror meu espírito ensombra!
Tenho sorrisos de anjo e arreganhos de fera,
Sinto chamas de inferno e frescuras de alfombra!

Sou malvado e sou bom! Minh'alma ora é sincera,
Ora de ser traidora ela própria se assombra!
Que clamores de inverno e paz de primavera!...
Escarneço da morte e temo a minha sombra!

Nervo a nervo, a vibrar, misteriosa e vaga,
Anda-me o corpo todo a nevrose de um tédio,
Que dos pés à cabeça atrozmente me alaga ...

Onde um recurso ao mal que me banha e transborda?
Minha dor é sem fim! Eu só tenho um remédio:
O suicídio - uma bala... um punhal... uma corda!...