quinta-feira, 18 de maio de 2017

PASSANDO O TEMPO – Antonio Carlos Gomes

Se não se pensar no tempo
Ele não irá passar,
Será o tempo parado
Um sonho de um só lugar?

Nós apreendemos o tempo
Criamos sua percepção
Mas, ele é diferente na roça
Ou andando de avião.

Voando indiferente ao tempo
Vejo de minha janela
Duas borboletinhas
Beijando a mesma rosinha.
[Dançam e beijam]
Percorrem toda primavera
No roçar das asas brancas,
E o tempo não se marca
Apenas resvala a eternidade

terça-feira, 16 de maio de 2017

A ARMA NOSSA DE CADA DIA - Gilberto Nogueira de Oliveira

O poeta está armado...
Disse ele empunhando uma caneta.
O pintor está armado...
Disse ele empunhando um pincel.
A policia está armada...
Disseram eles, combatendo o povo.
Chegou a tropa de choque,
Abrilhantando a desgraça.
O camponês está armado...
Disse ele empunhando uma foice.
O operário está armado...
Disse ele empunhando um martelo.
O povo está armado...
Disseram eles de encontro à esperança.
O professor está armado
Disse ele empunhando um livro.
O governo está armado...
Disseram eles promovendo o terror.
A desgraça brilha na praça.
O povo de encontro à desgraça.
E a desgraça brilha... na praça.

domingo, 14 de maio de 2017

O DESEJO QUE A DEUSA ACORDA - Talis Andrade


in “A Partilha do Corpo”, p.94

Que culpa tens
quando a deusa
usa teu corpo
para o desejo
andejo

Da deslumbrante deusa
o poder de despertar
a fera dos instintos
a fera noturna
escondida dentro
de você

Da deusa o poder
de despertar
minha ternura de anjo
o acalento conceder
para o teu choro
teu secreto desejo
e dor

A deusa cobre teu corpo
com um manto estrelado
Teu corpo nu iluminado
Teu corpo apascentado

A deusa não demora muito
pelo muito que deixa
Imortal o desejo
a deusa acorda
Imortal o amor
que vê a radiosa
face da deusa

sexta-feira, 12 de maio de 2017

CÂNTICO DE MULHER - Dora Incontri

(Em homenagem ao 8 de março)

O meu nome é mulher 
Luar de pedra 
Lua pálida que se inclina 
Sobre a noite em mistérios 
E semeia feminina 
Seus perfumes etéreos 
Peregrina dos séculos 
Pedra que esteia 
Orgânica, na terra 
Vulcânica se alteia 
Pedra em que se medra 
A seiva na veia. 
O meu nome é mulher 
Tantas vezes escrava 
Proclamada rainha 
E que no tempo escava 
Sua sina liberta! 
Que ainda assim caminha 
Com essa veia aberta 
Para ser-me só minha! 
O meu nome é mulher 
Suave e guerreira 
Cantante e altaneira 
Cortante e materna 
Nunca mais calada 
Nem mais exilada 
De sua força eterna! 
O meu nome é mulher 
Que nunca mais se quer 
Abaixo ou metade 
Com véu ou despida 
Ao desejo do macho. 
Acuada ou vendida. 
Nunca mais capacho 
De um mundo viril. 
Mas ternura inteira 
Nem puta, nem freira 
Feminina e varonil. 
O meu nome é mãe 
Meu abraço é colo 
O meu cântico é cálido 
O meu peito é solo. 
Não renego filhos 
Não desamo os homens 
Não desmamo ninguém. 
Não disputo vintém. 
Não invejo brilhos 
Sou meus próprios trilhos. 
Sou a musa e a poeta 
Sou livre e alerta. 
Vou por altas veredas 
Sem verdades azedas! 
Mas nada concedo 
Nem conheço o medo 
Apenas me cedo 
O rosto enxugado 
E um manto rendado 
De múltiplas estrelas 
Sabendo que um dia 
Em tempos serenos 
Em meus olhos plenos 
Hei de rútilas tê-las 
As fúlgidas estrelas...

terça-feira, 2 de maio de 2017

ABUTRES - Rafael Rocha

Do livro “Poemas Escolhidos”

Não farei mais discursos falando de saudades
muito menos com lágrimas para marcar a dor.
O instante de agora não comporta essa ilusão
ou qualquer canção falando de amor.
Meus versos estão vestindo roupas cruéis
e perdendo os motivos de serem singelos.
Não mais farei discursos que façam chorar
falando de saudades e de lugares comuns.

Hoje os dias marcam descontroles e maldições.
e até os ares espaciais estão vazios e infelizes.
Abutres alçam voos em busca de suas presas
e os assassinos matam até os animais dos oceanos.
Meus versos agora vestem roupagem de aço
para tentar viajar no mundo dentro da realidade.
Não mais farei discursos que façam chorar
falando de lugares comuns e de saudades.

Tempus fugit!
A espécie humana tornou-se vulgar
agindo em total e monstruosa barbárie.
Os abutres vêm em mergulhos pelos ares
e os inocentes serão as suas primeiras vítimas.

segunda-feira, 1 de maio de 2017

ESPELHO - Sylvia Plath

Tradução de André Cardoso


Sou prateado e exato. Não tenho preconceitos.
Tudo o que vejo engulo imediatamente
Do jeito que for, desembaçado de amor ou aversão.
Não sou cruel, apenas verdadeiro –
O olho de um pequeno deus, de quatro cantos.
Na maior parte do tempo medito sobre a parede em frente.
Ela é rosa, pontilhada. Já olhei para ela tanto tempo,
Eu acho que ela é parte do meu coração. Mas ela oscila.
Rostos e escuridão nos separam toda hora.

Agora sou um lago. Uma mulher se dobra sobre mim,
Buscando na minha superfície o que ela realmente é.
Então ela se vira para aquelas mentirosas, as velas ou a lua.
Vejo suas costas, e as reflito fielmente.
Ela me recompensa com lágrimas e um agitar das mãos.
Sou importante para ela. Ela vem e vai.
A cada manhã é o seu rosto que substitui a escuridão.
Em mim ela afogou uma menina, e em mim uma velha
Se ergue em direção a ela dia após dia, como um peixe terrível.