segunda-feira, 10 de julho de 2017

DOIS POEMAS DO POETA CEARENSE QUINTINO CUNHA (1875/1943)



SACRIFÍCIO – Quintino Cunha (*)

Do alto andar de um arranha-céu fraqueja
E rui um andaime que se despedaça
Todo infortúnio por maior que ele seja
Não será pior que essa desgraça

E vê-se então: Oh, santa maravilha!
Dois operários presos deste modo:
Ambos seguros por um cabo de manilha
Fraco, ameaçando rebentar-se todo.

Um pelo menos salvar-se-ia à vinda
De um socorro qualquer nesse transporte
Mas o heroísmo não esqueceu ainda
Quem com amor e coragem enfrenta a morte.

E assim nesse dilema derradeiro
Onde só um podia salvar-se extraordinário...
João – pergunta, resoluto o companheiro
- Qual de nós dois será mais necessário?

Eu tenho quatro filhos é o que João murmura.
- Oh, camarada, então eu te consolo!
E deixou-se cair da imensa altura
Na aspereza sepulcral do solo.
........................

SPES ÚNICA – Quintino Cunha

- Morto, dentro da fria sepultura,
            sem te poder falar?
E tu, que me amas, boa criatura,
            indo me visitar...

Banhada de suspiros, de soluços,
            desmaiada, talvez ...
Muita vez reclinada, até de bruços,
            na altura dos meus pés
...

Pedindo a Deus o meu viver eterno
             junto das glórias suas;
que me livre das penas do inferno,
             
e a chorar continuas...

Lembrando nossa vida a todo instante
repassada de dor,
a lembrar-te que fui o teu amante,
- o teu único amor,

Mal, pensando na horrífera caveira
em que me transformei,
exausto de fadiga, de canseira,
imaginar não sei...

Para evitar essa hora amargurada,
esse quadro de dor, tão verdadeiro,
Deus há-de ser servido, minha amada,
que tu morras primeiro!..

(*) José Quintino da Cunha foi um advogado, escritor e poeta cearense. Bacharelou-se pela Faculdade de Direito do Ceará em 1909, onde começou a exercer a profissão de advogado criminalista. Foi deputado estadual entre 1913 e 1914.

Um comentário: