sábado, 28 de outubro de 2017

DOMÍNIO DO ESPAÇO – Antonio Carlos Gomes

Falar
É nomear sentimentos
Catalogar objetos.

Criar arabescos
Em formas verbais
Separar o bem e o mal.

Balbuciar
Amor e medo
Delimitando espaços:
- Dizer amo ou odeio
Nada mais.

NOSTALGIA – Valdeci Ferraz

Onde está aquele olor inebriante
que tornava a emoção tão comestível
como as pétalas de uma rosa branca?
Onde estão aquelas notas
que de tão harmoniosas
geravam rios de lágrimas e arco-íris inversos?
Onde está aquela luz
que emanava dos nossos corpos
despertando as estrelas
tornando nossas noites muito mais iluminadas?
Onde se escondeu o beijo
que não aconteceu
e tornou mágica a manhã de abril?

Em alguma esquina,
na ponta de um iceberg,
no topo de um mastro,
nas brumas de um sonho
alguém encontrará o nosso cheiro.
E por ele se guiará ao paraíso,
pois diante de nossos olhos desfilam os mortos,
enquanto os vivos vagueiam
na neblina de sua existência medíocre.

Eles voltam para refazer a sua história
que alguém não registrou como devia
ou morreu antes de escrevê-la.
Nas ruas se erguem paliçadas
para barrar o inevitável,
enquanto os mísseis cruzam o ar
e o homem da caneta de ouro distribui migalhas.

Onde está o violão
que fumegava tarântulas assustadoras
sobre a mesa do homem nu?
Onde estão os guardanapos
sobre os quais os poetas escreviam as suas profecias
embriagados de cerveja e sexo?

No tempo que se fez de chumbo
ergueram-se as baionetas
e amordaçaram o espantalho que vigiava o campo.
E veio a noite e veio o dia
as aves do céu devoraram o fígado do espantalho
enquanto Quíron dormia
sob as marquises dos velhos pardieiros.

O que fizeram dos corrimãos de sonhos dourados?
O que fizeram dos caracóis alados?
Cadê o meu cavalo de pau?
As ruas estão desertas ou repletas de homens vazios
embora conduzam o mundo nas mãos.

domingo, 22 de outubro de 2017

NO CORREDOR DA MORTE - Talis Andrade

Do livro A Partilha do Corpo

Não há neste mundo
uma palavra de compaixão
para os que sofrem
Todos sabem quanto dói
o abandono a solidão
o desamor. Todos sabem
Todos temem a morte

Todos se afastam dos velhos
dos moribundos
Todos sentem
do corpo exânime
o odor nauseabundo

ÉRATO – Marcus Accioly (1943/2017)

“por detrás o prazer é diferente
do gozo pela frente" (diz) e a boca
suplica ("mais") aí toda a carne é pouca
para todo o desejo (pela frente
o amor no Próprio amor se satisfaz)
mas é diverso o coito por detrás
da fêmea (é como os animais copulam)
existe um cio por detrás (um jeito
de pegar os cabelos quando ondulam
suas crinas) que o gozo insatisfeito
precisa de mais gozo para ser
em sua plenitude ou gozar mais
(se uma só vez o amor acontecer
é preciso que seja por detrás)

domingo, 1 de outubro de 2017

OUTUBRO – Rafael Rocha

No dia em que o fogo queimou as plantas.
No dia em que a água dançou no ar.
No dia em que a terra gritou pelo vento:
- Nasceu um poeta!

Tornou-se o dia de embelezamento das palavras.
Tornou-se o dia de abrir todos os livros.
Tornou-se o dia de enfeitar a atmosfera
com uma canção incomum.

O acaso trouxe o sangue à esfera
de um cérebro vivo e rutilante.
E as horas e os minutos e os segundos fizeram a reverência
igual àquela que se faz a um rei.

Às catorze horas de um sábado
hoje mais remoto que o primeiro sábado da idade da pedra
a carne se fez em paixão e inteligência
em plena tarde.

No dia em que o vento girava pela terra.
No dia em que o ar musicava as águas.
No dia em que as plantas apagavam o fogo
a vida tornava-se poema.

Era apenas o primeiro dia de outubro
tão comum como qualquer outro dia.
Era o meu!