quinta-feira, 15 de março de 2018

A HORA DA ESTRELA – Rita Isadora Pessoa

esse é para você
morcego noctívago
que não reconhece nem teto nem parede
nem o próprio brilho
seguimos no nosso diadorim off-sertão
modernismo wannabe dos que vieram
diretamente da água
para matar a sede do rio

no fim prosaico da discussão de duas horas
sobre o copo quebrado
ou o lixo vazando na cozinha
ou a panela de batata doce que cozinhou demais
você constata que, de nós dois, sim,
 você é o mais romântico
e eu digo “mas nós somos
românticos de formas diferentes”
e você graceja “é, de fato, eu sou da tradição
 do romantismo inglês e alemão”
[sim, com tua solidão proporcionada pelo bosque
 e a vastidão dos espaços naturais abertos,
 você, oxóssi-caçador da bílis negra]
mas eu, no caso, segundo você, sou a tragédia!
você me diz, “você é a própria grécia”,
 [cassandra, antígona e medeia
enfileiradas na cabeça da hidra,
mais a fúria do olimpo
 com raios de iansã e ingenuidade de macabea]
você diz que sou a origem de todo
o romantismo, de todo o cinismo,
da neurose, perversão e da forclusão
do nome-do-pai, da mãe […]

e aí, cá para nós, você há de me
responder então como faremos
para cumprir a nossa parte, nosso fair share
na tarefa hercúlea de soçobrar
o mito do amor romântico,
essa bitch, essa marca indisputável - 
fardo-sísifo da nossa geração pós-yuppie

- se somos nós, meu amor, o próprio mito
se nós somos o amor romântico
o perverso, a amor perdido
 (encenado reencontrado)
 -  o amor com a faca na mão

e a própria sede do rio.

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