sexta-feira, 18 de março de 2016

ACORDAR, VIVER - Carlos Drummond de Andrade

Como acordar sem sofrimento? 
Recomeçar sem horror? 
O sono transportou-me 
àquele reino onde não existe vida 
e eu quedo inerte sem paixão.

Como repetir, dia seguinte após dia seguinte, 
a fábula inconclusa, 
suportar a semelhança das coisas ásperas 
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?

Como proteger-me das feridas 
que rasga em mim o acontecimento, 
qualquer acontecimento 
que lembra a Terra e sua púrpura 
demente? 
E mais aquela ferida que me inflijo 
a cada hora, algoz 
do inocente que não sou?

Ninguém responde, a vida é pétrea.

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