sexta-feira, 29 de outubro de 2021

INVERNO DA VIDA – Rafael Rocha

 

Neste invernar da vida
o tempo fica pequeno.
A paixão dá um aceno
por já estar de partida.
A cerveja é mais gostosa
do que a água bebida
e um sonho obsceno
traz a ninfeta perdida.

Neste invernar da vida
o tempo fica mais curto.
O coração toma um susto
pensando na “parricida”.
Quero beber mais cervejas
numa farra desmedida
e em um corpo moreno
viver a paixão pretendida.

Neste invernar da vida
os dias são diminutos.
Contamos horas, minutos
pois o tempo é suicida.
Gritamos na mesa do bar:
– Tragam as cervejas benditas
com mil fêmeas coloridas
para enfeitar nossas vidas!

TRÊS POEMAS – António Sanches

 CÍRCULO

Na roda em que a vida circula
há vestígios de uma reta
onde a caminhada se vincula
à indicação de uma seta.

Contudo na vontade que é minha
vou contrariando a direção
e sigo fora da rotineira linha
para alimentar a imaginação.

Crio rotas em caminho desconhecido
salto valas subo montes e mergulho
e cada revés que tenha acontecido
deu-me o saber de que me orgulho.

Assim vou circulando e sorrindo
com a grande força do teu olhar
e o circulo vai aos poucos abrindo
nas rotas que conseguimos sonhar.
............
OUTONAL

Igual a cão sem dono
uivei a noite inteira
no arrepio outonal
deixando de lado o sono
e uma espertina traiçoeira
só partiu no claro matinal.

Mas no fundo foi bom
pois conversei com a lua
mil segredos escondidos
e ela de bom tom
no silêncio em que atua
iluminou os meus pedidos.

E tu que a vês por inteiro
em noites que se repetem
leste o que transmiti
e respondeste ligeiro
com gestos que refletem
todo o amor que há em ti.
...............
O LOUCO FUI EU

Hoje estou triste
perdi o juízo com alguém louco
quase me igualei
mas às vezes basta pouco
para esquecer o que sei.

Ora sabendo eu
que qualquer louco
acha que os outros é que são
e que os erros que cometeu
não são nem um pouco
feitos pela sua mão.

Como fui eu discutir
e tentar argumentar
com doido varrido
para escutar logo a seguir
a figura louca afirmar
que eu complico sem sentido.

Bem feito,
quem me mandou
o louco achou que era direito
e o meu juízo é que pifou.

JÁ TANTO OS MEUS OLHOS VIRAM… - Maria Antonieta Matos

Já tanto os meus olhos viram…
Contentes a encher a alma
Sorrindo imponentes a doce calma
Da merecida paisagem… a cintilar riram

Já tanto os meus olhos viram…
Entusiasmados, penetrantes
Desejosos que não passem
Esses instantes deslumbrantes

Já tanto os meus olhos viram…
Amargos, chorosos a reclamar
Do mundo aflito que desaba
Num vulcão a mergulhar

Já tanto os meus olhos viram…
Despedaçados sem luz
Ao ver incandescente rio
Descer o monte bravio
Carregar o medo e a cruz

Já tanto os meus olhos viram…
Já tanto os meus olhos viram…

Vi dentar o cume das árvores
Pelas águas revoltas da tormenta
Arrancarem por onde passam
As casas e a terra sangrenta

Vi veículos desorientados
Em correria sem tréguas
Galgarem barreiras como fardos
Tombarem em algares a léguas

Vi muita ansiedade e dor
Calamidades, suplício
Um sufoco emaranhado
Uma vida de sacrifício
Vi mulheres maltratadas
Como se fosse uma coisa
Sem direitos… Humilhadas
A um pequeno espaço, confinadas

Vi muita desumanidade
Sem vergonha… nem compaixão
Matar sem escrúpulos ou piedade
Por mitos de religião

Vi a natureza revoltosa
Por defesa de extinção
Zangar-se com a humanidade
Vestida de furacão

Vi a terra a estremecer
Cadáveres por toda a parte
Dos escombros, muito sofrer
Agonia, desespero, desastre

Vi a terra comer o mar
Um braseiro imparável
Uma cratera a fulminar
Na vastidão vulnerável

DOIS POEMAS – Fernanda Xerez

 

CATALÉPTICA

Sinto-me
cataléptica ultimamente, em estado mórbido,
ligado a auto-hipnose ou à histeria.

Uma viver
caracterizado pela suspensão de duração
variável da minha inteligência

(...) e
dos meus movimentos
voluntários.

Grande
tensão e contração muscular, insensibilidade
aos acontecimentos ao meu redor,

e minha
respiração chega a ser superficial,
quase imperceptível.


uma morbidez de ânimo,
sinto-me enferma
e doentia.

Pergunto-me:
o que me resta?
- a poesia...
.....
VERSOS DESTROÇADOS

Meu
espírito poético
[hoje] é bumerangue,
às vezes faço verso
___ ''estético'',
outras, de sangue!...

Eu quero
sangrar em versos
até minha veia poética
___ desidratar-se,
às vezes sou insossa,
noutras, eclética!...

Hoje
sou capaz
de vampirizar meus
___ próprios versos,
[sem brilho], apáticos,
desconexos!...

Amanheci
um tanto quanto
___ caótica,
sem prumo e nem rumo,
poetisa rebelde,
gótica!...

Mente
alucinada,
sentimentos confusos,
sonhos roubados,
___ versos
destroçados!...