domingo, 31 de maio de 2020

RÉQUIEM – H. Dobal


Nestes verões jaz o homem
sobre a terra. E a dura terra
sob os pés lhe pesa. E na pele
curtida in vivo arde-lhe o sol
destes outubros. Arde o ar
deste campo maior desta lonjura
onde entanguidos bois pastam a poeira.

E se tem alma não lhe arde o desespero
de ser dono de nada. Tão seco é o homem
nestes verões. E tão curtida é a vida,
tão revertida ao pó nesta paisagem
neste campo de cinza onde se plantam
em meio às obras-de-arte do DNOCS
o homem e os outros bichos esquecidos.

OLHA, CRIANÇA – Decio Bar

Olha, criança, que mordes a lua
como se fosse uma certeza.
A noite é sobre ti, criança, moldura
de panteras que teu cabelo ariscam,
e tangem tules cercando teus traços.
Junto à ponte trouxeste a chama,
e o vento tropeçou o lume
com sussurros de amante.
A flor que eu tinha era recorte de soçobro,
meu canto - vaga vela, retas rotas
pássaro inconsútil, cansaços prudentes.
Dos vitrais ensaiamos a Estrela,
de flores inventamos Orientes,
nossos pés descalços ritmavam folhas
em nossos passos.
Nos muros, aranhas teciam tempo e medo,
fisgando teu olhar cósmico
promontório raso que a maré agasalha.
A leste da estrela a flor tornou-se hera
o tempo das águas gastou-se na espera
e do grito selvagem
da furna adiada
do vôo do vento
crestou-se a ramagem.
Ah criança que mordes a lua
como se fora uma certeza.

DEPRESSÃO ANTES DA PRIMAVERA – Wallace Stevens

Tradução de Paulo Henriques Britto

O galo canta,
Mas rainha alguma se levanta.
Minha loura tem cabelos
Deslumbrantes,
Como o cuspo das vacas
Costurando o vento.
Uô! Uô!
Mas cocoricó
Não traz curru nenhum,
Nenhum curru-curru.
Mas rainha alguma vem
Com verde chinelinha.

HORÓSCOPO – Ted Hughes

Tradução de Paulo Henriques Britto

Você queria estudar
Os seus astros – os carcereiros
Da sua prisão, o zodíaco. Os planetas
Murmuravam fórmulas babilônicas –
Como os ossos de um xamã. Você temia, com razão,
Que os ossos rugissem muito alto,
Que um ouvido captasse com clareza
O que os ossos sussurravam
Ainda que imersos em carne cálida.

Mas você não precisava calcular
Os graus do seu disruptor do ascendente
Em Áries. Nenhum significado definido – nada mais,
Segundo o livro babilônico,
Que um rosto marcado. Que mágico
Poderia enxergar mais fundo sob a pele?

Para você, bastava olhar
No rosto mais próximo de uma metáfora
Tirada do seu armário ou de seu prato
Ou então do sol, da lua ou dos teixos
Para ver seu pai, sua mãe, ou a mim
A lhe trazer todo o seu Destino.

sexta-feira, 29 de maio de 2020

A MÃO – Dylan Thomas


Tradução de Augusto de Campos

A mão que assina o ato assassina a cidade.
Cinco dedos reais taxam o ar – é a lei.
Cevam o morticínio e ceifam um país;
Os cinco reis que dão cabo de um rei.

A mão que manda mana de um ombro em declínio,
Cãibras deduram nós nos dedos que a cal cala.
Penas de ganso firmam o assassínio
Que pôs fim a uma fala.

A mão que assina o pacto traz a peste,
Praga e devastação, o gafanhoto e a fome;
Grande é a mão que pesa sobre o homem
Ao rabisco de um nome.

Os cinco reis contam os mortos mas não curam
A crosta da ferida e o rosto já sem cor.
A mão rege a clemência como a outra os céus.
Mãos não têm lágrimas a expor.

A CANÇÃO DO SILÊNCIO – Amélia Dalomba

A canção do silêncio é um poema ao suspiro
Mergulhado
Na profundeza do Índigo

O olhar de uma santa de barro

A linha do equador à deriva do pensamento
Gelo e sal e larva e mel

A canção do silêncio

CANÇÃO NEGREIRA – José Craveirinha

Amo-te
com as raízes de uma canção negreira
na madrugada dos meus olhos pardos.

E derrotas de fome

nas minhas mãos de bronze
florescem languidamente na velha
e nervosa cadência marinheira
do cais donde os meus avós negros
embarcaram para hemisférios da escravidão.

Mas se as madrugadas

das minhas órbitas violentadas
despertam as raízes do tempo antigo ...
mulher de olhos fadados de amor verde-claro
ventre sedoso de veludo
lábios de mampsincha madura
e soluções de espasmo latejando no quarto
enche de beijos as sirenas do meu sangue
que meninos das mesmas raízes
e das mesmas dolorosas madrugadas
esperam a sua vez.

POEMA – Noêmia de Souza

Bates-me e ameaças-me
Agora que levantei minha cabeça esclarecida
E gritei: “Basta!” (…) Condenas-me à escuridão eterna
Agora que minha alma de África se iluminou
E descobriu o ludíbrio  E gritei, mil vezes gritei: - Basta!”.
Armas-me grades e queres crucificar-me
Agora que rasguei a venda cor-de-rosa
E gritei: “Basta!”

Condenas-me à escuridão eterna Agora que minha
alma de África se iluminou E descobriu o ludíbrio..
E gritei, mil vezes gritei: - Basta! -

Ò carrasco de olhos tortos,
De dentes afiados de antropófago
E brutas mãos de orango:

Vem com o teu cassetete e tuas ameaças,
Fecha-me em tuas grades e crucifixa-me,
Traz teus instrumentos de tortura
E amputa-me os membros, um a um…

Esvazia-me os olhos e condena-me à escuridão eterna… -
que eu, mais do que nunca,
Dos limos da alma,
Me erguerei lúcida, bramindo contra tudo: 
Basta! Basta! Basta!

quinta-feira, 28 de maio de 2020

AMARGOS COMO OS FRUTOS – Ana Paula Tavares


Amado, por que voltas
com a morte nos olhos
e sem sandálias
como se um outro te habitasse
num tempo
para além
do tempo todo

Amado, onde perdeste tua língua de metal
a dos sinais e do provérbio
com o meu nome inscrito

 Onde deixaste a tua voz
 macia de capim e veludo
 semeada de estrelas

Amado, meu amado,
o que regressou de ti
é a tua sombra
dividida ao meio
é um antes de ti
as falas amargas
como os frutos.

quarta-feira, 27 de maio de 2020

MOTO CONTÍNUO - Ana Cláudia Romano Ribeiro

volta no meio da tarde
poucos estão nas calçadas
lusco-fusco
vento e mormaço na rua vazia
você alonga a coluna e sorri
dá uns passos e corre pelo declive até o jardim
recolhe as sementes
junta todas em um saquinho de juta
levará tempo até plantá-las
repetindo um gesto antigo
percebe a necessidade da poda
corta os galhos do limoeiro
da jabuticabeira
lembra do cajueiro
observa as plantas que crescem do nada
nada vem do nada
deixar no chão o imenso
pé de pitaia que despencou do arco alto de dois ipês contíguos
colher as frutas doces
serrar um tronco comido por cupins
limpar o poço
tomar banho
escutar os ossos
quem sabe à noite na rede o corpo
cansado, o radinho
sintoniza uma música
em língua desconhecida

VOLTA - Renato Mazzini

Se o mundo se mantém
vitralizado sob seu jugo,

paciência. Deve haver
filtros mais tristes.

A sabedoria de um chinês
que nos vendeu cartelas

de ovos e ressignificou
a nossa vida permanece

o ponto alto das férias de
1993, entre tantas outras

cartas marcadas de nosso
jogo de atuações: aliviar

essa opressão no peito,
essa congestão de mentiras

não parece uma alternativa
viável; devemos nos manter

silenciosos e concentrados
olhando um banco de parque

em que bicicletas rondam
sem chegar a existir

MANGUE - Sheila Dálio

escuta o som das saias
no mangue do Recife
as marcas quentes na areia
nas suspensas
ondas do seu ventre
escuta
a esquecida velha
acenando ao mar
a lágrima
caída
na concha apodrecida
escuta
(um barco chegou)
cinco homens
cinco redes
cinco anzóis
cinco furos
cinco mulheres
escuta
depois do último
cataclisma
o silêncio das saias
balançando no mangue
quente do seu ventre

terça-feira, 26 de maio de 2020

A BELA TETA – Clément Marot

Tradução de David Mourão-Ferreira

Teta perfeita, branca como um ovo,
Teta de cetim feita, cetim novo,
Teta da qual a rosa tem vergonha,
Teta melhor que tudo o que se sonha,
Teta dura, nem teta, mas enfim

Comparável a bola de marfim,
E no centro da qual somente esteja
Um rubi de morango ou de cereja
Que ninguém vê nem toca por enquanto,
Mas que aposto ser tal como eu o canto:  

Teta de bico pois tão encarnado
Que parece por agora sossegado,
Quer ela vá correndo ou vá andando,
Quer ela vá partindo ou vá saltando:
Teta do lado esquerdo, tão matreira,
Sempre longe da sua companheira,
Teta que és testemunha e viva imagem
De compostura tal da personagem
Que só de ver-te assim como te vejo
Nasce dentro das mãos este desejo
De toda te palpar e possuir:
Mas é preciso eu próprio me impedir
De mais me aproximar, pois não duvido
Depois desse desejo outro surgido…
Ó teta nem modesta nem vistosa,
Teta madura, teta apetitosa,
Teta que noite e dia ouço gritar:
“Depressa me casai, quero casar!”

Com justiça, feliz se vai dizer
Aquele que de leite te há-de encher,
Fazendo de uma teta de donzela
Teta de dona inteiramente bela.

NOSTALGIA PANTEÍSTA - Antônio Augusto de Lima

Um dia, interrogando o níveo seio
de uma concha voltada contra o ouvido,
um longínquo rumor, como um gemido,
ouvi plangente e de saudades cheio.

Esse rumor tristíssimo, escutei-o:
é a música das ondas, é o bramido,
que ela guarda por tempo indefinido,
das solidões marinhas donde veio.

Homem, concha exilada, igual lamento
em ti mesmo ouvirás, se ouvido atento
aos recessos do espírito volveres.

É de saudade, esse lamento humano,
de uma vida anterior, pátrio oceano
da unidade concêntrica dos seres.

ALMA SOLITÁRIA – Júlia Cortines

O que sentias era o que ninguém sentia:
– O ódio, o amor, a saudade, a revolta tremenda.
Não há ninguém que te ame e te console e entenda.
Ninguém compartilhou tua funda agonia.

A alma que possuir acreditaste, um dia,
Indiferente, vai a trilhar outra senda.
Do infinito deserto ergueste a tua tenda
Em meio à solidão da paisagem vazia...

E ora num voo audaz, ora num voo incerto,
Entre o fogo do céu e a areia do deserto,
A asa da aspiração finalmente cansou...

Mas a tua ansiedade e a tua angústia acalma.
– Sobre o abismo cavado entre as almas, ó alma,
Ninguém, para transpô-lo, uma ponte lançou.

OS SOBREVIVENTES - José Godoy Garcia

Quando todos imaginavam a vida sem sentido
chegaram de manhã os sobreviventes,
e levantaram suas moradas, estiveram no rio,
procuravam o rebanho disperso, preparavam
o alimento, cantavam, derramavam
o suor nos campos, faziam fogo à noite
rememoravam o corpo de suas mulheres,
despachavam os barcos, pela manhã.
As chuvas eram sempre bem-vindas,
as chuvas levantavam o pó da terra
e enchiam de confiança a face da vida.
As mulheres viam nascer dentro de si
um novo rebento, os seus ventres cresciam.
Nenhum sinal de confiança quando as mulheres
apareciam de ventre crescido.
Os dias eram os mesmos, a esperança
e a desesperança eram as mesmas.

segunda-feira, 25 de maio de 2020

SILÊNCIO – Fausto Rodrigues Valle

Meu silêncio é de dentro,
não ausência de sons.
Silva o vento e eu escuto o vento,
sem falar na sonoridade
de meus oblíquos passos.

Meu silêncio atroa nos cantos
escuros do ser aturdido,
ajunta-se a outros silêncios
que me acompanham na vereda
por onde caminho, perdido.

Meu silêncio deixa-me vígil,
como se mil tambores surdos
percutissem meus pobres tímpanos.
Meu silêncio retumba na estrada
e, um dia, ecoará na tumba.

ALÉM – Dora Ferreira da Silva

Não me explicas
não te explico
o milagre do contato
que é de alma e é carnal
que é do espírito abissal
tudo somando o igual.
Sinto o frêmito do vento
nas plantas do beiral
desta casa provisória.
Não há linhas divisórias
que nos digam quem é qual
por tão próximos - não há espaço
para o abraço
para o ai!
Andando em duas direções
transpusemos nossa essência
um é o outro
e o círculo no entanto
determina eterno encontro.
Sem assombro dou-te um beijo
o realejo da infância
é o fundo musical.
Valha-nos Deus!
Vamos chorar? Vamos sorrir?
O agora é o por vir
que empurra e enterra o antes
para nova floração.
Só não passa nem transita esse
doido coração
não é meu
não é teu
está nu de possessivos
a imperecível carnação.
Sorrimos o mesmo sorriso
diante das megapalavras
somente cativos do Nada.
E eternamente calamos.

domingo, 24 de maio de 2020

O POETA – Rafael Rocha

Ele escreveu até nos icebergs
Vindos dos lagos gélidos da Antártida
Ele cantou a vida em gritos roucos
Por amores desvairados desmaiou

Ele cavalgava um corcel alado
Transmutava-se em algo fictício
Lutando na inconstância da vida
Como qualquer humano primitivo

Ele escreveu até nas longas águas
Do Oiapoque do Francisco ao Chuí
Dissertou versos tristes nas planícies
Onde morreram milhares de seus sonhos

Ele gelo sumiu no solo quente
Como ocorre nas velhas terras do sertão
E por ser o escrivão triste de um tempo
Era sombrio igual às noites sem luar

Igual a todos que têm o belo intento
De batizar letras com vinho e água e pão
Tornou-se anônima lápide desmarcada
Como os heróis esquecidos pela pátria

Eis o poeta!

sábado, 23 de maio de 2020

PENETRÁLIA – Olavo Bilac

Falei tanto de amor!... de galanteio,
Vaidade e brinco, passatempo e graça,
Ou desejo fugaz, que brilha e passa
No relâmpago breve com que veio...
O verdadeiro amor, honra e desgraça,
Gozo ou suplício, no íntimo fechei-o:
Nunca o entreguei ao público recreio,
Nunca o expus indiscreto ao sol da praça.
Não proclamei os nomes, que baixinho,
Rezava... E ainda hoje, tímido, mergulho
Em funda sombra o meu melhor carinho.
Quando amo, amo e deliro sem barulho;
E quando sofro, calo-me, e definho
Na ventura infeliz do meu orgulho.

O SOL NO SENEGAL – João Cabral de Melo Neto

Para quem no Recife
se fez à beira-mar,
o mar é aquilo de onde
se vê o sol saltar.
Daqui, se vê o sol
não nascer, se enterrar:
sem molas, alegria,
quase murcho, lunar;
um sol nonagenário
no fim da circular,
abúlico, incapaz
de um limpo suicidar.
Aqui, deixa-se manso
corroer, naufragar;
não salta como nasce:
se desmancha no mar.

A LINHA E O LINHO – Gilberto Passos Gil Moreira

É a sua vida que eu quero bordar na minha
Como se eu fosse o pano e você fosse a linha
E a agulha do real nas mãos da fantasia
Fosse bordando ponto a ponto nosso dia-a-dia
E fosse aparecendo aos poucos nosso amor
Os nossos sentimentos loucos, nosso amor
O zig-zag do tormento, as cores da alegria
A curva generosa da compreensão
Formando a pétala da rosa, da paixão
A sua vida o meu caminho, nosso amor
Você a linha e eu o linho, nosso amor
Nossa colcha de cama, nossa toalha de mesa
Reproduzidos no bordado
A casa, a estrada, a correnteza
O sol, a ave, a árvore, o ninho da beleza.

VINGANÇA – Lobo da Costa

Que sinto eu! Desejos de vingança!
De um crime horrível ela tornou-se ré;
e o ídolo que adorei reduzo as cinzas
e sobre as cinzas me coloco em pé.
Mas isso amor será? inda em meu peito
de amor a chama se conserva acesa?
Se acaso a flor que o verme envenenou
conserva ainda a natural beleza?
Mas isso amor será, me atormentando
o cancro da mais bárbara traição?!..
Diz-me a razão: "despreza-a"... porventura
surdo serei às vozes da razão?!!
Mas isso amor não é! Já no meu peito
não há vestígio da flor dessa esperança!
É ódio! É só desprezo!.. indiferença!
Desprezo, indiferença e só vingança!
Vingança eterna do poeta altivo
que já não pode na mulher ter fé!
Que o ídolo que adorou reduz as cinzas
e sobre as cinzas se coloca em pé!
Vingança eterna do poeta atraiçoado,
que não sabe nutrir falsa traição,
mas que sabe punir com indiferença
a mulher que pratica a ingratidão.
Que não sabe, à traição, cravar no peito
pontiagudo punhal envenenado,
mas que sabe dizer perante a ingrata:
Mulher! Eu te desprezo!... estou vingado!
Quem sabe amante ajoelhar-se escravo
a luz dos olhos da mulher que adora,
também sabe, traído, desprezá-la,
te mesmo quando arrependida chora.
Quem sabe, amante, ajoelhar-se escravo,
mas que sabe também perdida a fé.
O ídolo falso reduzir as cinzas
e sobre as cinzas colocar-se em pé!
Mulher! sagrei-te meus cantos
n"aurora da mocidade;
curti amarga saudade
no peito, de crenças nu;
hoje o fado transmudou-se,
e ódio apenas te of"reço
do meu orgulho não desço
ao lodo que vives tu.
Como a estrela que se apaga,
astro sem brilho que morre,
dos meus olhos já não corre
uma lágrima se quer;
julguei-te um anjo da vida,
elevei-te a um céu ridente,
mas, hoje, vejo, impudente
que não passas de mulher!
Esqueceste-me! Que importa!
Serás também esquecida,
mas um dia arrependida
chorarás por mim em vão:
a vida dura bem pouco!
A fortuna também finda!
Espero encontrar-te ainda
rojada ao lodo do chão.
As faces já cadavéricas,
os olhos quase apagados,
e esses lábios desbotados
pelos beijos da traição!
E, ao certo, nem por piedade,
hei de a mão te oferecer!
Estátua - fria mulher
que não tinhas coração!
E decaída e rojada
no precipício dos anos,
verás teus ledos enganos
calçados como uma flor!
Então - múmia ressequida
ao lembrar-te do passado,
verás que negro é teu fado,
quanto vil foi teu amor!
Mas, não! não! Deus te perdoe!
a loucura é que cegou-te!
O ódio que a rir-me dou-te,
lembra o crime que fizeste!
Vive, donzela vaidosa,
vive e espera que o destino
te faça ver quão ferino,
foi o golpe que me deste!
Deus te perdoe!... e amanhã,
quando apagar-se meu nome,
e tu tremeres de fome
nos albergues do sertão:
Se um fantasma seguir-te
e a porta der-te um gemido,
será teu bardo traído,
que morto esquece a traição.