segunda-feira, 30 de abril de 2018

SUSPENSA – Tatiana Nascimento

pra quem tem: pássaro dentro, o
mais massa do voo é planar
(que é uma fé no sopro
do vento), o tao do movimento

é parar. Pra

que ter pressa com o lento?,
só vai pousar quem ousa
vo(ar: gravidade dá
seu sustento,

imagina imagina imagina

orbitar sem

parar?)

[ g o s t o ] – Bárbara Esmênia


gosto quando teu toque
ultrapassa o mero sentir
e me atinge na inteligência

me masturbo com tuas palavras

e quando concluis uma ideia
chego ao ápice
ao levar-me junta a tal síntese

minha pré-disposição a entender alerta
com neurônios fogosos
excitados de teorias que você mesma inventa

tudo isso porque
- sabe -
que o que abala minha mente
faz gozar meu corpo inteiro


LIBIDO – Mayana Vieira

Tudo começa na boca, menina
E espalha em meu corpo esse desejo sem controle
Rouba-me a razão
E me entrega ao outro lado,
Os corpos despidos em confronto
É a minha coxa
A tua coxa
As pernas entrelaçadas e o ofegar da respiração!
Esses movimentos circulares de dedos molham-me o sexo, menina
É esse vai e vem…
Vem e vai…
Entra e sai…
E tudo termina na boca, menina.

segunda-feira, 23 de abril de 2018

NO SILÊNCIO DA PEDRA – Patrícia Tenório

A pedra fala
A pedra canta
O que não se quer ouvir
O rouxinol se espanta
Quando de pedra
Me faço
E o estilhaço
Num coração partido

Vem o silêncio
Diz mais à pedra
Que as palavras
Esculpidas
Transgredidas
Esvaídas no tempo

Para saber o laço
Que se tece
E cresce
Entre mim e o outro
Que fala
Canta
E se quer ouvir

DANÇO SOBRE UM ABISMO – Diva Goulart

toda vestida de rosas
mas que ninguém me veja.
de um lado está a vida
e do outro está a morte.

Com o tempo, uma a uma,
as rosas vou desfolhando:
uma rosa para a morte
outra rosa para a vida.

No palco em que me descubro
(alva forma tão despida)
não quero que a profanem.
Que todos fechem os olhos,
assim que subir o pano.

ABRIL – Fernando Fiuza

Abril melava o chão da tarde de cajá
e um gato ronronava dentro do meu peito;
as estradas de lama – quase tudo brejo
onde as almas diziam às rãs coisas do mar.

Não se plantava nada, o mato crescia quieto
e era dono de tudo, dono até das telhas;
a chuva disputava os ares com o silêncio
e um barco de papel coloria a correnteza.

O cavalo mancava – cegos pêlo e crina
que a derradeira luz não mais os penteava -,
a roseta com sangue entre os dentes não gira;
era a vez da leitura e palavras cruzadas.

Abril jamais me foi cruel e sim molhado
- quem sabe são meus olhos, restos do naufrágio.

(De: O Vazio e a Rocha)

INCONSTANTE – Gabriel Nogueira Maia

O tempo está inconstante
como coração de mulher:
chove e me abrigo no carro,
racha o sol e não posso ir a pé.

Nessas horas sofre o pagão,
mais vale a quem tem fé.
Minha fé não tem regras,
regras são coisa de mulher.

A mulher sangre, é certo,
exceto quando fora da idade.
Um dia foi muito cedo,
amanhã será muito tarde.

Então dê asas ao desejo,
enquanto ele ainda lhe arde.
Espraie-se até os herdeiros,
deixe heranças sem calcular-se.

O cálculo atrapalha a vida,
que já mal se filtra,
se ele é renal.

Repito-me:
não fique mola encolhida,
só lhe pode fazer mal.
“hoje eu sei:
Só a mudança é permanente”,
não tem como pensar diferente!

(E ponto final.)

domingo, 22 de abril de 2018

AL-GHARB - Luís Carlos Patraquim

Pelo lagar da noite
Estremecem as amendoeiras

Corre no ar um tropel furtivo
Seus panos de azeite
E madeixas de sangue na corola
Das mulheres

Ela só lívida de azul e oiro
Ave do mundo

É a mãe diurna
Boca a boca multiplicada.

PRIMAVERA - Maria da Saudade Cortesão Mendes


A Musa que passava
Não era a que sabias.
Vinha em lua minguante
A espaços vestida
Por espelhos azuis
E narcisos de frio.

Que remanso tão meigo
Em seus peitos havia!
Que miosótis de leite
Em suas veias tíbias,
Três tangentes tocavam
O seu coração dúbio.

Não lhe soubeste o corpo —
Terra da madrugada
Que se dava ferida,
Nem os seus cursos de água.
Olhavas tão ao longe
Enquanto o amor te olhava.

SE ME QUISERES CONHECER – Noêmia de Sousa



Se me quiseres conhecer,
estuda com olhos de bem ver
esse pedaço de pau preto
que um desconhecido irmão maconde
de mãos inspiradas
talhou e trabalhou
em terras distantes lá do Norte.
Ah, essa sou eu:
órbitas vazias no desespero de possuir a vida.
boca rasgada em feridas de angústia,
mãos enormes espalmadas,
erguendo-se em jeito de quem implora e ameaça,
corpo tatuado de feridas visíveis e invisíveis
pelos chicotes da escravatura...
Torturada e magnífica.
Altiva e mística.
África da cabeça aos pés
- Ah, essa sou eu!

Se quiseres compreender-me
vem debruçar-te sobre minha alma de África,
nos gemidos dos negros no cais
nos batuques frenéticos dos muchopes
na rebeldia dos machanganas
na estranha melancolia se evolando...
duma canção nativa, noite dentro...

E nada mais me perguntes,
se é que me queres conhecer...
Que eu não sou mais que um búzio de carne
onde a revolta de África congelou
 seu grito inchado de esperança.

DESENGANO – Paulo Brito e Abreu

Nos braços do Amor, o Fado amaro
Me pôs um dia cru, enraivecido;
Me pôs para sofrer, que o dolorido
E tenebroso Amor, me custou caro.

Em lágrimas e Dor, no desamparo,
Amor me foi algoz, e foi bandido;
Foi loucura este Amor, que o deus Cupido,
Por ser vidente e cego, é pomo raro.

Oh Dor, míseras tunas, meus enganos,
Tristes águas, alvor de mágoas mil:
Meu candor, que assim foi nas almas danos,

Seja alor, seja alegre e pastoril,
Que é triste eu ir morrendo anos e anos,
Como é vil, um Abreu não ter Abril.

quarta-feira, 18 de abril de 2018

ABUSIVAMENTE – Tony Tcheka

A noite rotineira
A noite colonial
Foi vencida...
Vencida !!!
Banida!!!
Expulsa do nosso seio
Focos da Estrela Negra
Iluminaram a noite odiosa
Cantilenas... Spinoló Marcelistas
Metemo-las na mesma nau
                   (a tal que sulcava os mares)
Devolvêmo-las aos mares nunca dantes
Historietas...
Contos milagreiros...
Promessas, e... tudo o mais
Expedimo-las... e foram
Encalharam, na ponta de Sagres
Com o excesso do peso...
O peso das mortes
O peso dos corpos mutilados
O peso das torturas... Prisões! Sacrifícios!!!
O peso da fome...
Da subalimentação
O peso da História
História de dor e lágrimas
Imposta pela violência repressiva (abusivamente)
Mas é verdade
Vencidos... Banidos, expulsos, metidos na mesma nau
Encalharam... Lá... Para além do Cabo
Para não mais voltar...

RAIAR – Waldir Araújo

Desabrochei nas vésperas do cântico da liberdade
Cresci pueril emaranhado nos ecos de uma epopeia
Acreditando por ser acreditar a grande verdade
Entoei os cânticos de louvor à morte da centopeia

O tempo emprestou-me a tenacidade da dúvida
E do tempo, aliado me fiz e da dúvida a espada
Segui os rastos da vontade de entender tal vida
A realidade vislumbrou-me uma dureza pasmada

Questionei os dogmas para saber mais além
Cruzei saberes e dissabores na alma atormentada
E do além ainda distante, do saber muito aquém...
Exorcizei com versos a tormenta alimentada

No presente, nada mais é do que o não adquirido
Nada mais se disfarça para dúvidas semear
No presente, não mais vago é o caminho escolhido
Ladeando a realidade sim, com o sonho no limiar

domingo, 15 de abril de 2018

GIRASSÓIS – Luandino Vieira

Tem girassóis amarelos
o meu quadrado de sol

a vida espancada passa
mas no quadrado de sol
aberto sobre o jardim
os girassóis amarelos
velhos
mostram o fim

UMA FANTASIA DE CIÚME – Seamus Heaney

Tradução de Floriano Martins

Caminhando com você e outra mulher
Num parque arborizado, a grama murmurante
Corre os dedos através de nosso silêncio pensativo
E as árvores abertas dentro de uma sombria
Inesperada clareira onde nos sentamos.
Penso na candura da luz que nos assombrou.
Falamos sobre desejo e pessoas ciumentas,
Nossa conversa um simples roupão desatado
Ou uma branca toalha de piquenique estendida
Como um livro de etiquetas na imensidão.
"Mostra-me”, disse à nossa acompanhante,
“que tenho muito cobiçado o brilho violeta de teus seios.”
E ela consentiu. Oh nenhum desses versos, amor,
Nem minha prudência puderam curar seu olhar ferido.