sábado, 31 de agosto de 2019

SORTIMENTO DE GORRAS PARA A GENTE DO GRANDE TOM – Luís Gama

Se grosseiro alveitar ou charlatão
Entre nós se proclama sabichão;
E, com cartas compradas na Alemanha.
Por mil anos impinge ipecacuanha;
Se mata, por honrar a Medicina,
Mais voraz do que uma ave de rapina;
E num dia, se, errando na receita,
Pratica no mortal cura perfeita;
Não te espantes, ó Leitor, da novidade,
Pois que tudo no Brasil é raridade!

Se os nobres desta terra, empanturrados,
Em Guiné têm parentes enterrados;
E, cedendo à prosápia, ou duros vícios,
Esquecem os negrinhos seus patrícios;
Se mulatos de cor esbranquiçada,
Já se julgam de origem refinada,
E, curvos à mania que os domina,
Desprezam a vovó que é preta-mina:
Não te espantes, ó Leitor, da novidade,
Pois que tudo no Brasil é raridade!

Se o governo do Império Brasileiro,
Faz coisas de espantar o mundo inteiro,
Transcendendo o Autor da geração,
o jumento transforma em sor Barão;
Se estúpido matuto, apatetado,
Idolatra o papel de mascarado;
E fazendo-se o lorpa deputado,
N'Assembléia vai dar seu — apolhado,
Não te espantes, ó Leitor, da novidade,
Pois que tudo no Brasil é raridade!

Se impera no Brasil o patronato,
Fazendo que o Camelo seja Gato,
Levando o seu domínio a ponto tal,
Que torna em sapiente o animal;
Se deslustram honrosos pergaminhos,
Patetas que nem servem p'ra meirinhos,
E que sendo formados Bacharéis,
Sabem menos do que pecos bedéis,
Não te espantes, ó Leitor, da novidade,
Pois que tudo no Brasil é raridade!

Se temos Deputados, Senadores,
Bons Ministros e outros chuchadores;
Que se aferram às tetas da Nação
Com mais sanha que o tigre, ou que o Leão;
Se já temos calçados — mac-lama,
Novidade que esfalta a voz da Fama,
Blasonando as gazetas — que há progresso,
Quando tudo caminha p'ra o regresso:
Não te espantes, ó Leitor, da pepineira,
Pois que tudo no Brasil é chuchadeira!

Se contamos vadios empregados,
Porque são das potências afilhados,
E sucumbe, à matroca, abandonado,
O homem de critério, que é honrado;
Se temos militares de trapaça,
Que da guerra jamais viram fumaça,
Mas que empolgam chistosos ordenados,
Que ao povo, sem sentir, são arrancados;
Não te espantes ó Leitor, da pepineira,
Pois que tudo no Brasil é chuchadeira!

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

ESQUECIMENTO – Hart Crane

Tradução de Samantha de Sousa

O esquecimento é como uma canção
Que, livre de ritmo e cadência, flutua.
O esquecimento é como um pássaro de asas unidas,
estendidas e imóveis, -
Um pássaro que adormece aos ventos da costa.

O esquecimento é chuva durante a noite,
Ou uma velha casa na floresta, - ou uma criança.
O esquecimento é branco, - branco como as árvores sem vida,
E pode atordoar a sibila em profecia,
Ou enterrar os deuses.

Hei de lembrar-me bem o que é o esquecimento.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

VAZIO COMPLETO – Ana Agnolo

Tudo que conhecia era o vazio
vazio completo
repleto
de plenitude
vazio aquele em que nada
se falta
se faz falta.
vazio aquele em que tudo
existe
consiste.

USO AS PALAVRAS PARA COMPOR MEU SILÊNCIO – Rosa Acássia Luizari

Uso as palavras
Para compor a palavra
Palavra uma
Que reúna
O que cabe em meu silêncio
 
Aqui se esconde o meu silêncio
Ele grita
Tomo cuidado para que não escape desse poema
E eu tenha uma folha em branco
 
O que cabe em uma folha em branco
Compõe meu silêncio
Ele grita
Tomo cuidado para que não escape do meu silêncio
O grito ensurdecedor destas palavras.

LONGA JORNADA NOITE ADENTRO – Alexandre Rodrigues da Costa

Cercada pelo
que desconhece,
devora
a própria língua,

aconchega-se
na pele da filha
morta,
na lembrança do dia
dentro da noite,
da noite
apenas noite.

Seus passos
são desproporcionais,
tremores do corpo
em colapso,
quase esquecido.

À medida que
anda, abriga em si,
sem tempo e remorso,
todas as memórias,

recolhe pedaços
de espelhos cravados
na carne,

os quais coloca,
cuidadosamente,
um a um,
sobre a mesa,
ao lado da comida.

SEREIA – Alline Dias

Serei eu, serei tu, serei eu Sereia
Serei eu, serei mar, serei lago e cachoeira
Setenta por cento de mim tu permeia, oh água
Limpa aura, limpa alma
Gera em ti a força da calma
Retira em mim a fraca raiva.
Sendo eu tu e tu eu inundo-me, levo-me.
Sou correnteza, sou onda, sou sementeira.
Serei eu, serei tu, serei eu Sereia.

NÃO ERA – Simone Teodoro

Não era vento:
Era ser forte
Era ser fraco
E, às vezes, sem rumo.

Não era chama:
Era um gosto na língua
Era umidade entre as pernas
Era angústia de amar.

Não era outono:
Era a superfície da pele
Alcatifada por rugas.

Não era um trilho de trem
Uma estação ferroviária
Um aeroporto
Nem mesmo o mar
Com um barco distante:
Era a vida que restava
Acorrentada à ausência.

Não era chuva:
Era tristeza pura.
E só.

sábado, 24 de agosto de 2019

Três poemas de Ewaldo Schleder Filho

VIGÍLIA

As paredes do cárcere
ouvem só a sua voz.
E seus ouvidos,
só as saudações:
bom dia, presidente,
boa tarde, presidente,
boa noite, presidente.

Ao longe, gritos da cidade,
brados dos desalmados
estrangulam a noite.
O silêncio dos famintos
a querer pão e trabalho
desafinam a trilha do dia.

A feira está às moscas,
as mãos, vazias
A fábrica, lacrada e sombria.
Surda é a voz do mercado.
E crônica a fome, a sede, o medo.
* * *
MORREU UM PRETO

oitenta cartuchos
oitenta tubos ocos
oitenta queimas de pólvora
oitenta projéteis
balas de chumbo
oitenta carregamentos
oitenta disparos
oitenta espoletas
oitenta balaços

que fosse um só tiro
fossem oito ou oitocentos
mas foram oitenta
para matar oitenta pessoas
e matou uma e matou tantas
o morto era a vítima
do sorteio de balas
alvo por acaso
mas era preto
* * *
PÁTRIA ARMADA

Brasileiro senta a pua
não deixa baixar o pavio
apanha em casa e na rua
todas as flores de abril

Do mágico olho da grua
à carne de Chernobyl
fome: verdade crua
a bordo do mesmo navio

Cabrália: uma índia nada nua
verde amarelo branco anil
tucanos gralhas cacatuas
festa pátria mãe gentil

Com tanta gente que amua
quartos de milha, quartos de mil
antes o mundo da lua
do que a órbita desse Brasil.

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

MEADOS DE MAIO – Irene Lisboa

Chuvoso maio!

Deste lado oiço gotejar
sobre as pedras.
Som da cidade ...
Do outro via a chuva no ar.
Perpendicular, fina,
Tomava cor,
distinguia-se
contra o fundo das trepadeiras
do jardim.
No chão, quando caía,
abria círculos
nas poçinhas brilhantes,
já formadas?
Há lá coisa mais linda

que este bater de água
na outra água?
Um pingo cai
E forma uma rosa...
um movimento circular,
que se espraia.
Vem outro pingo
E nasce outra rosa...
e sempre assim!

Os nossos olhos desconsolados,
sem alegria nem tristeza,
tranquilamente
vão vendo formar-se as rosas,
brilhar
e mover-se a água.

NAVEGADOR CORAÇÃO – Giselle del Pino

Escuta
o fado
E agoniza hereditária.
Se a dor e a solidão
É teu brasão,
Desprenda-se do destino fatal.

Quantas pontes,
Abismos,
Escalar montanhas.
Quantas dores,
Arranhões,
Fissuras.
Ai! Como dói crescer!

Escuta o ritmo de corações afinados,
É pro teu peito que o meu grita.
Leva-me pra sala,
Bote-me ao seu lado
Num pôster sobre o bar...
Escuta o fado.

Minha alma,
É além mar.
Navegador coração
Que aprisionado em porões corsários,
Só deseja chegar.

CANTIGA MUNDANA – Márcia Leite

De teus olhos retirei a tristeza,
bebi as lágrimas salgadas;
lambi o abandono.

Ofereci esperanças, doei certezas -
segurança - e os lambuzei
com o mel dos meus.

Da tua boca seca arranquei
o riso louco de macho corno,
o sorriso morto de Prometeu.

Com os dedos refiz os sulcos
da boca ferida.
E com minha própria saliva
matei tua sede de vida.

Lavei tua alma, e a vesti
novamente em brios.
E - como se não bastasse -
a enfeitei com fios,
roubados, dos pêlos do homem
que, antes de ti, era o meu.

Te abri as pernas, as portas,
a seiva e a cama.
Te banhei no gozo de infinitas
noites profanas.
Te ninei em cantigas mundanas.

Depois de lavado, lambido.
Já saciado, curado, vestido.
Retornastes a teu destino
de animal predador.
Me deixando apenas alguns
pêlos dourados - que recolhi -
esquecidos no cobertor.

OUVIDO – Edimilson de Almeida Pereira

O viajante recebe da cobra
um amuleto.

Aprende o riso dos mortos,
das pedras ouve a música.

Roubado em seu segredo
o viajante desaparece.

A cobra muda de veste,
o homem perde o corpo.

ESSE PERFUME – Emiliano Perneta

Esse perfume - sândalo e verbenas -
De tua pele de maçã madura,
Sorvi-o quando, ó deusa das morenas!
Por mim roçaste a cabeleira escura.

Mas é perfídia negra das hienas!
Sabes que o teu perfume é uma loucura:
- E o concedes; que é um tóxico: e envenenas
Com uma tão rara e singular doçura!

Quando o aspirei - as minhas mãos nas tuas -
Bateu-me o coração como se fora
Fundir-se, lírio das espáduas nuas!

Foi-me um gozo cruel, áspero e curto...
Ó requintada, ó sábia pecadora,
Mestra no amor das sensações de um furto!

CADA LUGAR TEU – Mafalda Veiga


Sei de cor cada lugar teu
Atado em mim
A cada lugar meu
Tento entender o rumo
Que a vida nos faz tomar
Tento esquecer a mágoa
Guardar só o que é bom de guardar

Pensa em mim
Protege o que eu te dou
Eu penso em ti
E dou-te o que de melhor eu sou
Sem ter defesas que me façam falhar
Nesse lugar mais dentro
Onde só chega quem não tem medo de naufragar

Fica em mim que hoje o tempo dói
Como se arrancassem tudo o que já foi
E até o que virá
E até o que eu sonhei
Diz-me que vais guardar e abraçar
Tudo o que eu te dei

Mesmo que a vida mude os nossos sentidos
E o mundo nos leve pra longe de nós
E que um dia o tempo pareça perdido
E tudo se desfaça num gesto só

Eu vou guardar cada lugar teu
Ancorado em cada lugar meu
E hoje apenas isso me faz acreditar
Que eu vou chegar contigo
Onde só chega quem não tem medo de naufragar

LINHA DE RUMO - Ruy Cinatti

Quem não me deu Amor, não me deu nada.
Encontro-me parado...
Olho em meu redor e vejo inacabado
O meu mundo melhor.

Tanto tempo perdido...
Com que saudade o lembro e o bendigo:
Campo de flores
E silvas...

Fonte da vida fui. Medito. Ordeno.
Penso o futuro a haver.
E sigo deslumbrado o pensamento
Que se descobre.

Quem não me deu Amor, não me deu nada.
Desterrado,
Desterrado prossigo.
E sonho-me sem Pátria e sem Amigos,
Adrede.

SABEDORIA – Ronald de Carvalho

Enquanto disputam os doutores gravemente
sobre a natureza
do bem e do mal, do erro e da verdade,
do consciente e do inconsciente;
enquanto disputam os doutores sutilíssimos,
aproveita o momento!

Faze da tua realidade
uma obra de beleza

Só uma vez amadurece,
efêmero imprudente,
o cacho de uvas que o acaso te oferece...

ETERNA MÁGOA – Augusto dos Anjos

O homem por sobre quem caiu a praga
Da tristeza do Mundo, o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!

Não crê em nada, pois, nada há que traga
Consolo à Mágoa, a que só ele assiste.
Quer resistir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.

Sabe que sofre, mas o que não sabe
E que essa mágoa infinda assim não cabe
Na sua vida, é que essa mágoa infinda

Transpõe a vida do seu corpo inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda!

sábado, 17 de agosto de 2019

IDEAL – Fagundes Varela

Não és tu quem eu amo, não és!
Nem Teresa também, nem Ciprina;
Nem Mercedes a loira, nem mesmo
A travessa e gentil Valentina.

Quem eu amo te digo, está longe;
Lá nas terras do império chinês,
Num palácio de louça vermelha
Sobre um trono de azul japonês.

Tem a cútis mais fina e brilhante
Que as bandejas de cobre luzido;
Uns olhinhos de amêndoa, voltados,
Um nariz pequenino e torcido.

Tem uns pés... oh! que pés, Santo Deus!
Mais mimosos que uns pés de criança,
Uma trança de seda e tão longa
Que a barriga das pernas alcança.

Não és tu quem eu amo, nem Laura,
Nem Mercedes, nem Lúcia, já vês;
A mulher que minh'alma idolatra
É princesa do império chinês.

QUEM SABE – Mário Quintana

Quem
sabe um dia
Quem sabe um seremos
Quem sabe um viveremos
Quem sabe um morreremos!

Quem é que
Quem é macho
Quem é fêmea
Quem é humano, apenas!

Sabe amar
Sabe de mim e de si
Sabe de nós
Sabe ser um!

Um dia
Um mês
Um ano
Um(a) vida!

Sentir primeiro, pensar depois
Perdoar primeiro, julgar depois

Amar primeiro, educar depois
Esquecer primeiro, aprender depois

Libertar primeiro, ensinar depois
Alimentar primeiro, cantar depois

Possuir primeiro, contemplar depois
Agir primeiro, julgar depois

Navegar primeiro, aportar depois
Viver primeiro, morrer depois

ORIGINAL É O POETA – Ary dos Santos

Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutro pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse um abismo
e faz um filho ás palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever um sismo.

Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte faz
devorar um jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.

Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce á rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.

Original é o poeta
que chegar ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse uma mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.

QUE SEI EU? – Ruy Belo

Mas que sei eu das folhas no outono
ao vento vorazmente arremessadas
quando eu passo pelas madrugadas
tal como passaria qualquer dono?

Eu sei que é vão o vento e lento o sono
e acabam coisas mal principiadas
no ínvio precipício das geadas
que pressinto no meu fundo abandono

Nenhum súbito súbdito lamenta
a dor de assim passar que me atormenta
e me ergue no ar como outra folha

qualquer. Mas eu que sei destas manhãs?
As coisas vêm vão e são tão vãs
como este olhar que ignoro que me olha

AS ONDAS – Olavo Bilac

Entre as trêmulas mornas ardentias,
A noite no alto-mar anima as ondas.
Sobem das fundas úmidas Golcondas,
Pérolas vivas, as nereidas frias:

Entrelaçam-se, correm fugidias,
Voltam, cruzando-se; e, em lascivas rondas,
Vestem as formas alvas e redondas
De algas roxas e glaucas pedrarias.

Coxas de vago ônix, ventres polidos
De alabastro, quadris de argêntea espuma,
Seios de dúbia opala ardem na treva;

E bocas verdes, cheias de gemidos,
Que o fósforo incendeia e o âmbar perfuma,
Soluçam beijos vãos que o vento leva...

MUDAM-SE OS TEMPOS – Luís Vaz de Camões

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o Mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem (se algum houve), as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
que já coberto foi de neve fria,
e, enfim, converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto,
que não se muda já como soía.

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

NASSAU – César Leal

Cheguei a Pernambuco, eu era  um príncipe,
nobre alemão - sem ódio nem temores -
trouxe comigo a arte dos flamengos,
junto ao canhão: cinzel, pincel, pintores...

Fiz do Recife uma cidade eterna
- com tantas pontes dei beleza ao rio
para os da terra eu fui duro na guerra
e lhes mostrei de minha espada o fio

De volta à Europa, já no mar de longo,
lembrei os canaviais  - outros o tomem!
Na Alemanha escrevi meu epitáfio:
“A morte é a última vaidade do Homem”.

UMA NOITE EM SÃO PAULO - Brasílio Machado

Minha terra é o país das serenatas;
Por noites de luar,
Enquanto a névoa, em trêmulas cascatas,
No rio vem boiar,

As flautas, do violão ao som doído,
Aqui sabem dizer
Os segredos do amor, saudades vivas
Dos anos de prazer.

Jamais, em lábios rubros de espanhola,
A cantiga gemeu,
Como uma só das belas serenetas,
Que escuta o nosso céu.

Jamais o gondoleiro do Rialto,
Que a onda acalentou,
Mais doce canto às auras do Adriático
À noite suspirou.

Em meu país, o canto do tropeiro,
Sentado ao pé do lar,
Ou do rancho nos ermos, onde a lua
Encontrou-se a sonhar;

A cantiga do escravo suspiroso,
No exílio do sertão,
Quando ao dia, que morre, ele despede
Sua pátria canção;

As "tiranas" doídas, que a viola,
Chorando desprendeu
Acordam mais o gênio da saudade,
Na sombra deste céu...

Nosso canto aprendeu as melodias,
Seus hinos virginais,
Da cascata no trêmulo murmúrio,
Na voz dos sabiás...

Minha terra é o país das serenatas,
Por noites de luar.
Vinde, filhos do além, ver quanto é doce
Sob a curva do céu aqui sonhar!

terça-feira, 6 de agosto de 2019

A HORA - Judith Grossmann

Seguidamente doce música ouvi,
Audível só ao coração atormentado,
Aves gritantes, nas alturas, revivi,
Esferas sônicas, o espírito endoidado.
Estava eu contida em alto leito alvo,
Compartilhando o escuro, mãe de minha filha,
E pressenti vozes do espírito já salvo,
Álgido corpo debatendo-se em ilha.
Lançada após a um outro cômodo escuro,
Onde era cega, tive tinta e pergaminho,
Quando explodi por vã janela ao ar mais puro.
Voei no vento, soluçando no caminho,
Baixei os olhos, aceitei o contratempo,
Provisional testemunhar o tempo aflito.

CHAPÉU PANAMÁ – Lau Siqueira

Não sou um índice. Operário
do que não sei.

Fruto do que nunca aprendi por
escolher a inquietude - amiúde.

Vivi nas margens, mas nunca
escorreguei nas beiras.

Nunca tive a vida por inteiro
por devorá-la aos pedaços.

Com os mesmos herméticos
cansaços...

Menestrel de incompreensões
com sandálias de couro cru e
chapéu Panamá.

Bah!

Andando como se anda quando
a busca é a própria estrada.

Mais nada!