terça-feira, 26 de novembro de 2019

TUDO PODE SER AMOR - Rafael Rocha

O novo livro do poeta, escritor e jornalista RAFAEL ROCHA intitulado TUDO PODE SER AMOR, prefaciado pela escritora Divina de Jesus Scarpin, já está disponível para ser adquirido pelos leitores. O livro custa R$ 35,00 – já inclusos os gastos com envio pelo Correio. O depósito bancário pode ser feito no Banco Itaú – Agência 7226 – Conta Corrente 20207-0, em nome de Rafael Rocha Neto e enviado o comprovante de depósito para o e-mail jornalhumanitas2013@gmail.com. juntamente com o endereço do comprador.

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

PROFANO – Marcia Sanchez Luz

Profano teu corpo
Como em mim ironizo teu gozo
Regozijo-me e te desconvido
A partilhar meu prazer.

Bendigo meu corpo
Como em ti assolei-me
Entreguei-te, vendada
O que vedado estava.

Bendito momento
Em que acordo, assustada
E descubro meu corpo
Inteiro, sem mágoas.

MIMESMA – Jade Prata

O perverso
me cede o verso
para trabalhar.
Já sem patentes,
já assim, carente,
quase afogo
de tanto respirar,
na umidade
de um sempre quase,
na secura
de um quase nunca.
Me perco nos versos
reversos de mim
e procuro apego
no que tanto nego
no lúmen negro
de mim mesma.
E saio assim,
- ilesa,
 toda rasgada,
 porque o verso
 é o íntimo
 da mesma.

ETERNA INCÓGNITA – Bastos Tigre

Não sei quem sou nem sei por que motivo
Vim ao mundo e o que nele vim fazer.
Sei que penso e, portanto, sei que vivo,
Neste anseio instintivo de viver.

Porque procedo do homem primitivo,
Há rugidos de fera no meu ser.
Bom e mau, triste e alegre, humilde e altivo,
Não me posso, a mim mesmo, compreender.

Pois se, de mim, não sei causa e destino,
Que dos outros, do mundo, saberei?
Que definir, se a mim não me defino?

E sigo, ao léu da vida, a ignota lei,
Descrendo das verdades que imagino
E acreditando em tudo o que não sei.

LEMBRETE DO ADMINISTRADOR DO BLOG


NOITE DE INVERNO – Celso Pinheiro

Noite de inverno. A um choro miserando
Da harpa do rio túrgido e barrento,
Ouço os lobos famélicos do vento
Ganindo, arremetendo, farejando...

Um trágico fuzil, de quando em quando,
Rompe a trincheira azul do firmamento,
E o relâmpago atroz, sanguinolento,
Parece um vagalume formidando...

Depois a chuva toma outras maneiras,
E há vozes, há soluços, há gemidos
Como em torno das horas derradeiras...

E então descubro, pela noite incalma,
Como velhos demônios foragidos,
Os cães da dor uivando na minhalma!

INEVITÁVEL – Maria Giulia Pinheiro

Ia acontecer, eu sei.
Só não achei que fosse
tão agora.

Pensei em você o dia todo,
falei de você,
como de costume.

Quase por encanto,
adormeci
e foi como se um
homem alto, forte e destemido
me soprasse os olhos
e tirasse deles
toda a areia que havia.
(A gente sabe que areia nos olhos,
no fundo,
é mais incômodo
do que prazer,
não sabe?)
Quando acordei,
deu vontade de ligar para
os ex-namoradinhos e saber sobre suas
sextas à noite
e às ex-namoradinhas sobre os domingos de manhã.
Deu uma sede de cerveja,
tocou música alegre e,
– vê se pode -,
dancei.

Quando percebi,
estava fazendo piada com quem não conhecia direito,
pensando nas guerras pra lutar,
nas camas pra dormir,
– acho que perdoei só para que não perdurasse –
e depois me perdi nos meus pensamentos
porque minhas horas voltaram a ficar tão interessantes
que não há mais o que não é presente.

E é tanta coisa pra fazer
e eu agora tão cheia de
mais tempo,
mais espaço,
mais vontade,
mais gasolina,
mais eu.
Sabia que ia acontecer,
mas não achei que
tão agora.

ÁGUA DOCE - Geraldo Dias da Cruz


Onde o rio se oculta
dos algoritmos mais frios,
não é fábula, o seu riso,
nem as flores que o seduzem,
pendentes dos galhos arfantes.
Onde, por dar frutos aos peixes,
estas árvores ardilosas,
mantêm o rio cativo,
veem-se frisos de escamas
na superfície do rio.
Onde se mostra indiferente,
escondendo o seu sorriso,
o rio está mais vivo,
no Jogo destes equívocos.
Há um cheiro, próprio ao desejo,
um inclinar de outros galhos,
sussurros que são de amantes,
onde o rio se esconde,
voltando-se sobre as curvas
ondulações de seu leito.
Onde o olho avaro,
que o quer preso em barragens,
deixa escapar esse rio,
a vida é um brinquedo,
de correr atrás das árvores.
Onde o rio sobe as águas,
lança-se além dos barrancos
procurando fêmeas ocultas,
as que não viram e desejam
conhecer o rio amante.

SUPREMO ANELO – Leodegária de Jesus

Voltar a ti, ó terra estremecida,
E ver de novo, à doce luz da aurora,
O vale, a selva, a praia inesquecida,
Onde brincava pequenina outrora;

Ver uma vez ainda essa querida
Serra Dourada que minh'alma adora;
E o velho rio, o Cantagalo, a ermida,
Eis o que sonho unicamente agora.

Depois… morrer fitando o sol no poente,
Morrer ouvindo ao desmaiar fagueiro
Da tarde estiva o sabiá dolente.

Um leito, enfim, bordado de boninas,
Onde dormisse o sono derradeiro,
Sob essas verdes, plácidas colinas.

PLANTAS EM VIVEIRO – Adalberto Müller

Este secreto recanto
esconde muitas vidas:
o discreto charme
das alamandas
tão brandas
vaginas abertas ao acaso;
a inocência dos amarantos,
o sorriso dos beijos eternamente
felizes.
Esse pequeno jardim
da infância,
a memória hoje recria
em seu viveiro de sensações perdidas : as
mãos roçando o tenro
veludo
das violetas.

terça-feira, 19 de novembro de 2019

LÁ E CÁ – Gilson Pereira De Araújo


Aos amigos André Amorim e Cristina,
agora vivendo em Portugal.
,,,,,,,,,
A lua que reflete o Capibaribe
É a mesma refletida pelo Tejo
Se não se lhes permitem o toque
Comungam, à distância, igual desejo.
E se lhes falta, por impossível, o abraço
O mar, receptivo, proporciona o beijo.

A dor e angústia exposta no fado,
Dissipa-se na estridência do frevo.
Ao sentimento que em mim nutrem
Comparar os encantos não me atrevo.
E se a fala não me permite externar,
O coração manda e eu escrevo.

Quisera Pessoa por acalanto,
Quem dera Bandeira a embalar.
Cabral viajando em doces águas
Ao Recife me fizesse chegar.
Semelhante no transcorrer
Ao Cabral de além mar.

O início de um é o início do outro
Cravando em mim o mesmo mal.
As lágrimas aqui derramadas,
Derramam-se lá com mesmo sal.
Causa-me dor pensar Pernambuco,
Dói-me o peito pensar Portugal.

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

ESTE É O PRÓLOGO – Garcia Lorca

Tradução de  William Agel de Melo

Deixaria neste livro
toda a minha alma.
este livro que viu
as paisagens comigo
e viveu horas santas.

Que pena dos livros
que nos enchem as mãos
de rosas e de estrelas
e lentamente passam!

Que tristeza tão funda
é olhar os retábulos
de dores e de penas
que um coração levanta!

Ver passar os espectros
de vida que se apagam,
ver o homem desnudo
em Pégaso sem asas,

ver a vida e a morte,
a síntese do mundo,
que em espaços profundos
se olham e se abraçam.

Um livro de poesias
é o outono morto:
os versos são as folhas
negras em terras brancas,

e a voz que os lê
é o sopro do vento
que lhes incute nos peitos
- entranháveis distâncias.

O poeta é uma árvore
com frutos de tristeza
e com folhas murchas
de chorar o que ama.

O poeta é o médium
da Natureza
que explica sua grandeza
por meio de palavras.

O poeta compreende
todo o incompreensível
e as coisas que se odeiam,
ele, amigas as chamas.

Sabe que as veredas
são todas impossíveis,
e por isso de noite
vai por elas com calma.

Nos livros de versos,
entre rosas de sangue,
vão passando as tristes
e eternas caravanas

que fizeram ao poeta
quando chora nas tardes,
rodeado e cingido
por seus próprios fantasmas.

Poesia é amargura,
mel celeste que emana
de um favo invisível
que as almas fabricam.

Poesia é o impossível
feito possível. Harpa
que tem em vez de cordas
corações e chamas.

Poesia é a vida
que cruzamos com ânsia,
esperando o que leva
sem rumo a nossa barca.

Livros doces de versos
sãos os astros que passam
pelo silêncio mudo
para o reino do Nada,
escrevendo no céu
suas estrofes de prata.

Oh ! que penas tão fundas
e nunca remediadas,
as vozes dolorosas
que os poetas cantam!

Deixaria neste livro
toda a minha alma...

GOSTO DOS AMIGOS – Sebastião Alba

Gosto dos amigos
Que modelam a vida
Sem interferir muito;
Os que apenas circulam
No hálito da fala
E apõem, de leve,
Um desenho às coisas.
Mas, porque há espaços desiguais
Entre quem são
E quem eles me parecem,
O meu agrado inclina-se
Para o mais reconciliado,
Ao acordar,
Com a sua última fraqueza;
O que menos se preside à vida
E, à nossa, preside
Deixando que o consuma
O núcleo incandescente
Dum silêncio votivo
De que um fumo de incenso
Nos liberta.

LISBON REVISITED (1926) – Fernando Pessoa

- Álvaro de Campos –

Nada me prende a nada.  
Quero cinqüenta coisas ao mesmo tempo.  
Anseio com uma angústia de fome de carne  
O que não sei que seja -  
Definidamente pelo indefinido...  
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto  
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.

Fecharam-me todas as portas abstratas e necessárias.  
Correram cortinas de todas as hipóteses
que eu poderia ver da rua.  
Não há na travessa achada
o número da porta que me deram.

Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.  
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.  
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.  
Até a vida só desejada me farta - até essa vida...

Compreendo a intervalos desconexos;  
Escrevo por lapsos de cansaço;  
E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.  
Não sei que destino ou futuro compete
à minha angústia sem leme;  
Não sei que ilhas do sul impossível
aguardam-me náufrago;  
ou que palmares de literatura
me darão ao menos um verso.

Não, não sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma...  
E, no fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei,  
Nos campos últimos da alma, onde memoro sem causa  
(E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsas),  
Nas estradas e atalhos das florestas longínquas  
Onde supus o meu ser,  
Fogem desmantelados, últimos restos  
Da ilusão final,  
Os meus exércitos sonhados, derrotados sem ter sido,  
As minhas cortes por existir, esfaceladas em Deus.

Outra vez te revejo,  
Cidade da minha infância pavorosamente perdida...  
Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui...

Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei,  
E aqui tornei a voltar, e a voltar.  
E aqui de novo tornei a voltar?  
Ou somos todos os Eu que estive aqui ou estiveram,  
Uma série de contas-entes ligados por um fio-memória,  
Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim?

Outra vez te revejo,  
Com o coração mais longínquo, a alma menos minha.

Outra vez te revejo - Lisboa e Tejo e tudo -,  
Transeunte inútil de ti e de mim,  
Estrangeiro aqui como em toda a parte,  
Casual na vida como na alma,  
Fantasma a errar em salas de recordações,  
Ao ruído dos ratos e das tábuas que rangem  
No castelo maldito de ter que viver...

Outra vez te revejo,  
Sombra que passa através das sombras, e brilha  
Um momento a uma luz fúnebre desconhecida,  
E entra na noite como um rastro de barco se perde  
Na água que deixa de se ouvir...

Outra vez te revejo,  
Mas, ai, a mim não me revejo!  
Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,  
E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim -  
Um bocado de ti e de mim!...

PALAVRAS - Sylvia Plath

Tradução de Ana Cristina César

Golpes
De machado na madeira,
E os ecos!
Ecos que partem
A galope.

A seiva
Jorra como pranto, como
Água lutando
Para repor seu espelho
Sobre a rocha

Que cai e rola,
Crânio branco
Comido pelas ervas.
Anos depois, na estrada,
Encontro

Essas palavras secas e sem rédeas,
Bater de cascos incansável.
Enquanto do fundo do poço, estrelas fixas
Decidem uma vida.