quinta-feira, 28 de março de 2019

O MAL E O SOFRIMENTO - Leandro Gomes de Barros

Se eu conversasse com Deus
                                      Iria lhe perguntar:      
Por que é que sofremos tanto
Quando viemos pra cá?
Que dívida é essa
Que a gente tem pra pagar?
Perguntaria também
Como é que ele é feito
Que não dorme, que não come
E assim vive satisfeito
Por que foi que ele não fez
A gente do mesmo jeito?
Por que existem uns felizes
E outros que sofrem tanto?
Nascemos do mesmo jeito,
Moramos no mesmo canto
Quem foi temperar o choro
E acabou salgando o pranto?

terça-feira, 26 de março de 2019

SOLIDÃO - Friedrich Wilhelm Nietzsche

Tradução de Wagner Schadeck

Vão corvos crocitando
Para a cidade em voo circular:
Logo estará nevando –
E bem-aventurado quem tem lar!

Altivo, olhando outrora
Teu passado não volta num segundo!
Quem és – um louco que ora
Antes do inverno fugirá do mundo?

O mundo – uma saída
Aberta para um ermo horrendo e agreste.
Não pode achar guarida
Aquele que perdera o que perdeste.

Com palor de desgraça,
A viagem hibernal tens desdenhado,
Semelhante à fumaça
Evolando para o orbe regelado.

Entoa, ave, teu canto
De pássaro no seu errante anelo! –
Louco, escondes, no entanto,
Teu coração sangrando em pasmo e gelo.

Vão corvos crocitando
Para a cidade em voo circular:
Logo estará nevando –
E bem-aventurado quem tem lar!

PERTO DO CORAÇÃO – Johan Wolfgang von Goethe

Tradução de Wagner Schadeck

Eu penso em ti, ao refulgir
o sol no mar;
Eu penso em ti, ao ver fluir
no rio o luar.

Na poenta senda do horizonte,
vejo teu trilho,
enquanto à noite, sob a ponte,
dorme o andarilho.

Ouço-te, quando a vaga vence o
penhasco rude;
quando na floresta o silêncio
é plenitude.

Eis-me contigo, e ora distante
tu não te evades.
Posto o sol, com o céu cintilante,
sinto saudades!

ABISAG – Rainer Maria Rilke

Tradução de Décio Pignatari

1.
Sobre. Servos, seus Braços, Meninice,
Fizeram enlear no Corpo augusto,
De Bruços. Horas mortas, que Velhice!,
não podia reter o Medo e o Susto.

Virava, revirava, (Barba), o Rosto,
a cada Pio de Mocho. E todo o Meio
da noite distendia-se, disposto
a vê-la, Medo, e a envolvê-la, Anseio.

Tremeram as Estrelas, suas iguais,
um Sopro abriu, sagaz, o Cortinado,
(e um Ar insinuou-se perfumado)
atraindo os seus Olhos com Sinais.

Mas ela, ao Rei sombrio, fiel se prende
e, salva da pior das Noites, calma,
na Realeza fria a Pele estende,
virginalmente leve como uma Alma.

2.
Soberano sem Gozo em Dia vazio,
e sem Feitos, o Rei medita
em sua cadelinha favorita.
A Noite vem: arqueia-se no Frio
o Corpo de Abisag. Da Vida os Leitos
são Costas de má Fama, Orla maldita
sob a mortal Constelação dos Peitos.

Mas, versado em Mulher e seus Desejos,
julgava ver, às vezes, (Sobrancelhas),
uma boca suspensa, Flor sem Beijos
– e via: para as suas Lavras velhas
não se inclinava a Haste amorosa, langue.
Insone, via-se Mastim, Orelhas,
Buscando-se nas So(m)bras do seu Sangue.

segunda-feira, 25 de março de 2019

A TAÇA DO REI DE TULE – Júlio César da Silva

I
Trêmulo, as barbas úmidas de choro,
No fim da vida, o Rei de Tule, um dia
Tirou a taça pela qual bebia
Do cofre onde guardava o seu tesouro.

Era essa a joia de maior valia;
E ante os nobres e gentes do seu foro
Ao mar lançou a linda taça de ouro...
E minutos após, o Rei morria.

Se essa taça continha algum arcano,
Hoje somente é o mar quem lho devassa,
Porque ela jaz no fundo do oceano;

Beija-a, somente, arfando, a água que passa...
E hoje ninguém, lábio nenhum profano
O vinho prova por aquela taça...

II
Quando me chego a ti, por mais que faça
Por conter dentro de mim este alvoroço,
Sinto que sou, sem reino e embora moço,
O Rei de Tule, e tu, a minha taça.

Dos teus lábios ninguém hoje devassa
O fundo senão eu; e enquanto posso,
No mel que eles contêm, os meus adoço...
Mas por fim tudo cansa e tudo passa.

Não poder, como o Rei, no fim da vida,
Ante os meus cortesãos, jograis e sábios,
Lançar ao mar também, taça querida,

Para que ninguém mais sinta os ressábios
Dessa bebida por mim só bebida
Pela taça vermelha dos teus lábios!

ÁGUA LIMPA – Adalberto de Queiroz

Se da água limpa dos rios,
o poeta alcança - incólume
as fontes d agua viva...

                      Oh! claro lume:                     
bebe em sanga clara.

Bebe c'o as mãos
na vertente rara
sequioso estro.
Não se abaixa
A flor d'agua,

Feito um cão:
Lambendo a água.
Agora, o poeta é
De Ottoniel, soldado
Não colhe a água
na palma da mão.
Pronto pra guerra,
bebe e proclama:
— Eis a Água!

Água da chuva sempre exata.
Água da fonte sempre basta
A água que a todo fogo apaga
Água límpida: minha sede mata.

quinta-feira, 21 de março de 2019

PERORAÇÃO - Goliarda Sapienza

Tradução de Valentina Cantori

Não gastes a quentura do teu púbis
não prendas o teu passo em saias justas
de seda turva, mas deixa por favor
teu cabelo acender-se pelo sol
que foge virando atrás do muro.

Não te quero surpreendida pela lua
descobrindo-te forçada numa noite
a gritar arrependida num tal rosto
de senhora ressecada sobre o teu.

SALMO – Paul Celan

Tradução de Matheus Guménin Barreto

Ninguém nos molda de novo da terra e do barro,
ninguém conjura o pó nosso.
Ninguém.

Louvado sejas, Ninguém.
Por amor a ti queremos
florescer.
Ao encontro
de ti.

Um nada
éramos, somos, seremos
ainda, a florescer:
a Rosa-de-Nada, a
Rosa-de-Ninguém.

Com
o almacândido cálamo,
o ermoceleste filamento,
a rubra coroa
do verbo purpúreo, que cantávamos
sobre, oh sobre
o espinho.

quinta-feira, 14 de março de 2019

VELÓRIO – Valdeci Ferraz


Ver-me-ão morto no caixão a sorrir
E dirão, talvez, leve lhe foi a vida
Ou as flores que estão a lhe cobrir
Fazem-lhe cócegas na despedida?

Homenagens? Eu não quero ouvir
Nem canto, nem mesmo reza sentida
Cubram-me de cravos brancos e a seguir
Leiam meus poemas na hora da partida

E quando à terra fria eu descer
Muitos olhos marejados hão de ver
Meus versos espalhados pelo mundo

Saberão que fui apenas um poeta
Cuja vida sempre foi uma porta aberta 
A viver o sentimento mais profundo.

GARGALHADA – João Guimarães Rosa

Quando me disseste que não mais me amavas,
e que ias partir,
dura, precisa, bela e inabalável,
com a impassibilidade de um executor,
dilatou-se em mim o pavor das cavernas vazias...
Mas olhei-te bem nos olhos,
belos como o veludo das lagartas verdes,
e porque já houvesse lágrimas nos meus olhos,
tive pena de ti, de mim, de todos,
e me ri
da inutilidade das torturas predestinadas,
guardadas para nós, desde a treva das épocas,
quando a inexperiência dos Deuses
ainda não criara o mundo...

CANÇÃO DOS PUNHAIS APAGADOS – Hunald de Alencar

Dentro do peito eu tenho
quarenta punhais apagados:
sementes de aço na carne
de fruto ou sol esperados
                                                                                               
Eles nasceram das lágrimas
demais pra serem choradas
e no tempo é que fundiram
sua metálica geografia

Dentro do peito eu tenho
quarenta punhais apagados
tatuando de esperança
a pele das agonias

Eis que a hora de acendê-los
sabem os olhos guerrilheiros
abertos nos punhos fechados
Eis que a hora de acendê-los
revelarão os espelhos
do homem multiplicado.

VAIDADE – Florbela Espanca

Sonho que sou a poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profana e insatisfeita!

Sonho que sou alguém cá neste mundo…
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!

E quanto mais no céu eu vou sonhando,
E quanto mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho… E não sou nada!

O BEIJO – Denise Emmer

Levou-me sem feitas frases
Somente passo e camisa
Roubou-me um beijo de brisa
Na quadratura da tarde

Jogou-me contra a parede
Rasgou-me a blusa de linho
Roubou-me um beijo de vinho
Diante das aves vesgas

Puxou-me para seu fundo
Rompeu a rosa pirâmide
Roubou-me um beijo de sangue
E bateu asas no mundo.

O PRESO POLÍTICO - Adauto de Souza Santos

Vieram os soldados
E o levaram preso
Pelo caminho até a prisão
Ele ria cheio de felicidade
Que mais parecia
Um louco varrido
Um dos soldados curioso
Lhe perguntou:
Porque ris tanto
Quando podes até ser enforcado
Por todos os seus crimes subversivos
E pelas suas ações políticas

E o preso político respondeu:
Vocês estão prendendo meu corpo
Mas meu coração não
Nem as minhas ideias
Nem a liberdade de meu pensamento
Que já não estão mais aqui
Vocês e seu governo
Estão perdendo tempo comigo
Conduzindo um corpo oco
Como uma mula velha
Vocês todos estão loucos...

AMOR DE PERDIÇÃO - Neide Archanjo

Era um fluir de formas
essência grave e leve
era a ordenação do caos
a harmonia breve.

Era o poema
encostado no muro
qual flor vadia
que entre ramas se esquecia.

Era o poeta
lambendo a página
em que o poema
encantado se escrevia.

terça-feira, 12 de março de 2019

CONSELHO DO ADMINISTRADOR DO BLOG


OS DIAS CONTADOS - Uberto Stabile

Melhor mudar de cidade que de camisa
poderia parecer sujo mas é mais higiênico
Melhor manter viva a lembrança
que lavar a roupa todo dia,
mais cedo ou mais tarde os erros
terminam cheirando demais a nós mesmos.
Melhor mudar de bar que de bebida
melhor a morte do que uma ferida
o que não cicatriza nunca termina.
Melhor teu beijo que uma despedida
melhor ninguém ainda conseguiu.
Melhor cantar que contar os dias.