sábado, 16 de julho de 2022

RIO DOCE - André Merez

 

E o rio que era doce?
A lama matou.
E os peixes, a vida, a população ribeirinha?
A lama matou.
E os sonhos, os desejos, as virtudes e tudo?
A lama matou.

A lama que escorre,
o líquido podre, chorume das almas
dos homens da Vale,
dos homens de cifras,
números,
contratos,
benefícios,
financiamentos de campanhas.

Homens sem poesia,
sem piedade,
sem pêsames,
sem arrependimento.

O rio sem vida vai gritando até o mar
pela justiça que nunca veio,
mas ninguém ouve, estamos surdos
não temos ouvidos para o rio.

O rio se foi,
se perdeu.

E nenhuma urgência é maior
que o rio estendido sem vida no mundo.
O rio morto era doce, acabou.

sexta-feira, 15 de julho de 2022

SE EU SOUBESSE A PALAVRA - Antom Laia López

 

a palavra que nasce no miolo mesminho
da vida que habito a que
apanho dos gromos e das pugas
que es- tarricam vida
a que por vezes abro e aprofundo e bebo e sugo
loucamente a que mondo como se fosse umha noz
que na vega no salitre a que bico
com os meus lábios cortados
pola invernia do frio a que des-visto para fitar
teus seios de leite amazucado
a que me circunda como a amante
que sempre me espera
a palavra, a palavra em corpo
desnudo-essa-na que deito
a palavra no zig-zag da luxúria como
cóbrega nos tornozelos a palavra,
mistura de sangue e barro-lama pe-gada sobre a pel
a palavra que arestora me chama tolo
e louco, barco perdido
a palavra, esse discorrer dos fonemas no epicentro
dos sexos e bate com as silabas nas curvas infinitas
dos canles molhados essa, tabú de desejos,
que se leva nas linguas todos os segundos
abençoada no verbo em coito nos que
as águas se abraçam orgasmo de nuvens
chocando como feras selvagens
a palavra in versus silêncios como lobas nas ilhas a palavra
a palavra a palavra que subjaz no fondo
como cadáveres

quinta-feira, 14 de julho de 2022

POEMAS de Marcos Freitas

 

INQUILINO INCÔMODO EM UM PODER DE MERDA

varridas vidas em leitos sem oxigênio
coisas de doer
descoloridas perspectivas

não mais o almoço de domingo
não mais as flores de primavera

quartos arrumados, mesas postas
repousos de pedra
inútil vazio
e
silêncios
sem despedidas
.......
XEROFILIA

caatinga, caapões, gramael e seridós:
sigo descalço, riscando a trilha,
no desvio dos espinhos das macambiras
embrenhado na mata seca e branca
entre o cheiro bom do mussambê
e o alaranjado dos mulungus.
.......
TORRÃO DE AÇÚCAR

desmanchado silêncio
na aurora da palavra
o café quente cabe no poema