quinta-feira, 20 de outubro de 2022

VERSOS AO MANCHEGO CAVALEIRO - A. HERCULANO DE SOUZA BANDEIRA

Antônio Herculano de Sousa Bandeira (Recife, 13 de abril de 1813— Recife, 30 de novembro de 1884) foi um jurista, advogado e professor brasileiro. Formado pela Faculdade de Direito de Olinda em 1838, tendo sido contemporâneo de Teixeira de Freitas (turma de 1837) e de Cândido Mendes (turma de 1839).

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A meu irmão Luiz

Eu sou mais infeliz que tu, meu D. Quixote
Eu também sou um triste e magro cavaleiro
mas eu não tenho esporas nem chicote,
nem armadura coruscante
nem o fiel escudeiro
Sancho Pança... nem Rocinante...

A febre medieval nossa frontes escalda
e entrevemos em sonho vaporoso,
nimbada de ouro e de esmeralda :
a Dulcinéia de Toboso

Por nosso Deus é nossa Dama
nos juramos vencer...
À hora crepuscular em que o ocaso se inflama,
caricatos cruzados desalentos,
partimos a combater
moinhos de vento...

A ler livros, perdemos o juízo
e as nossas faces maceradas,
nossas figuras alquebradas
merecem compaixão...a

 Trazemos, no entanto, o paraíso
dentro do coração.

sábado, 16 de julho de 2022

RIO DOCE - André Merez

 

E o rio que era doce?
A lama matou.
E os peixes, a vida, a população ribeirinha?
A lama matou.
E os sonhos, os desejos, as virtudes e tudo?
A lama matou.

A lama que escorre,
o líquido podre, chorume das almas
dos homens da Vale,
dos homens de cifras,
números,
contratos,
benefícios,
financiamentos de campanhas.

Homens sem poesia,
sem piedade,
sem pêsames,
sem arrependimento.

O rio sem vida vai gritando até o mar
pela justiça que nunca veio,
mas ninguém ouve, estamos surdos
não temos ouvidos para o rio.

O rio se foi,
se perdeu.

E nenhuma urgência é maior
que o rio estendido sem vida no mundo.
O rio morto era doce, acabou.

sexta-feira, 15 de julho de 2022

SE EU SOUBESSE A PALAVRA - Antom Laia López

 

a palavra que nasce no miolo mesminho
da vida que habito a que
apanho dos gromos e das pugas
que es- tarricam vida
a que por vezes abro e aprofundo e bebo e sugo
loucamente a que mondo como se fosse umha noz
que na vega no salitre a que bico
com os meus lábios cortados
pola invernia do frio a que des-visto para fitar
teus seios de leite amazucado
a que me circunda como a amante
que sempre me espera
a palavra, a palavra em corpo
desnudo-essa-na que deito
a palavra no zig-zag da luxúria como
cóbrega nos tornozelos a palavra,
mistura de sangue e barro-lama pe-gada sobre a pel
a palavra que arestora me chama tolo
e louco, barco perdido
a palavra, esse discorrer dos fonemas no epicentro
dos sexos e bate com as silabas nas curvas infinitas
dos canles molhados essa, tabú de desejos,
que se leva nas linguas todos os segundos
abençoada no verbo em coito nos que
as águas se abraçam orgasmo de nuvens
chocando como feras selvagens
a palavra in versus silêncios como lobas nas ilhas a palavra
a palavra a palavra que subjaz no fondo
como cadáveres