terça-feira, 30 de abril de 2019

CANÇÃO DO PERFEITO AMOR - João de Castro Osório de Oliveira (1899-1970)

Aonde, em que paragem, sobre o mundo,
Verei surgir, em fim, o bem profundo
Do perfeito amor?

Flores das altas colinas, quem pudera
Vê-lo surgir, na luz da primavera,
O perfeito amor...

Verde acenar de esperança da folhagem,
Anuncias-me, acaso, ao longe, a imagem
Do perfeito amor?...

Quem me dirá aonde, em que destino,
Verei o sonho eterno que imagino,
O perfeito amor?

Volve dos céus meu grito de ansiedade!
É tudo uma resposta de saudade
Do perfeito amor...

Saudade do futuro, ansiosa esperança...
O mundo diz-me: a vida sempre alcança
O perfeito amor.

CHÃO BATIDO - Oldemar Justus

Chão batido, chão da vida,
pisares do meu destino,
cadências do meu penar.

Chão batido, chão da vida...
Aonde me levarás,
que frutos, flores ou espinhos,
caminho meu, me trarás?

Sabes acaso que um dia,
quando cansarem meus pés,
terás de seguir em frente,
rasgando chãos diferentes,
distâncias de outro rumar?
Pois é, caminho meu,
chão batido de hoje só.
Amanhã serás aurora.
Eu voltarei a ser pó.

AS TARTARUGAS - Pablo Guevara - Lima, Peru (1930/2006)

Tradução Floriano Martins

Alheias à vida da justiça e da injustiça
e sob os céus vermelhos as tartarugas passam
com sua casa de mil lados às costas...

Passam, ignoradas pelos homens, as enrugadas
que nunca estiveram presentes nos assassinatos;
em quanta noite humana são a imagem feliz
de multicores palácios e cabanas
que nunca fizeram sombra à existência;
passeiam, comem, procriam, vão dormir,
nas concavidades das praias quentes
escutam a voz de palmeiras, sonham.

SERTANEJO DA DOR – Robson Sampaio

O sopro surdo do vento
parece murmúrio de vozes
em lamento pela morte.
A madrugada foge num repente
danado com medo do amanhecer.
Sob o sol, os cascalhos e a terra areosa
refletem a imagem do céu.
Sina?

Na trilha de pó, pedras e galhos secos,
o sertanejo caminha entre crenças e
esperança de cangaceiros.
Um penar sem fim?

No peito carrega o grito
do deserto-desesperança. A bênção nunca
chega, apesar das rezas de virgens órfãs,
criadas por devotas beatas
Santuário?

“Valei-me, meu padim-padre Ciço!”,
prece de fé e de desespero. A morte é
a passagem da Salvação?

O chão é um mar em brasas,
com a folhagem sem cor e a natureza
perdendo a vida. E a caatinga vira léguas
de judiação do sertanejo da dor.
Penitência?

segunda-feira, 29 de abril de 2019

ARCADA FLORIDA – Peixoto da Silveira

No portão do jardim plantaste, um dia,
dois arbustos que, embora bem distantes,
ao crescerem, em vivida porfia,
enlaçaram seus ramos verdejantes.

Anulando a distância, na magia
de uma arcada belíssima, se uniram.
E túrgidos de seiva e de poesia.
em comunhão romântica floriram.

Hoje, ao rever aquela arcada em flor,
emocionado, ao contemplá-la, atino
que assim nossa existência, um dia unida
pela atração harmônica do amor,
de dois destinos fez um só destino,
fazendo de nós dois uma só vida.

SERENATA AOS ILUDIDOS – Diego Mendes Souza

Amor não me deixa sofrer

Existem dias
que o coração
se parte
se deprime
se afoga
e dói até na alma
que se aperta
que se lastima
que se destrói
e depois do canto
nada mais resta
nem a força do encanto
que a vida explica
que o sonho baila
que o tempo mata

Amor não me deixa azul
que a pele sai a suar
que a boca inicia o soar
da canção dos pequenos
desventurados

Amor não me deixa morrer

ESPELHO E FACE - Guimarães de Paula

Matam-no, e não vemos
no espelho de hoje
a nossa face de ontem.

Flor da alegria ou de mágoa
que outrora nascia de nós
crestou-se (ignota) no tempo.
A cada dia
quanto mais nos conhecemos
deixamos de ser nós mesmos,
dispersados, divididos,
em não sei quantos milhares
de faces dessemelhantes.

DESORDEM – Simone Teodoro

Porque ela passou
por aqui
- estação de loucura –

não há temperatura
em que eu não seja febre

não há voz
em que eu não seja
grito

Porque ela passou
por aqui

Há apenas
a dor
da pele
cortada à volúpia

quinta-feira, 25 de abril de 2019

COSTUME PERDIDO – Nikolai Aleksandrovitch Tikhonov

Tradução de Luis de Castro

Perdemos o costume de ajudar os pobres
de respirar o vento no alto das colinas,
de receber a aurora e de comprar nas tendas,
por uma ou duas moedas, limões dourados.

Os barcos aqui chegam por simples acaso,
e os trens, esses insistem por velho costume.
Se passássemos uma lista aos desta terra,
o número de mortes surpreenderia.

Com gestos solenes tudo foi desprezado.
A nada mais serve a lâmina enferrujada.
Esta grande lâmina enegrecida e rota
páginas imortais cortou na história pátria.

SOBRAS – Jade Prata

Quero saber o que falta dizer,
o que falta por fazer.
O que falta?
Me estranho
porque falto,
e sou tantas.
Na busca,
me reconheço
em partes.
Encontro espelhos
quebrados por aí.
- Dou sorte.
Me entrego aos pedaços,
doses homeopáticas.
Não traço metas,
estratégias ou táticas
para o amor,
ele acontece.
- Dou sorte.
Ele me falta.
Ele falta por aí.

ACALANTO - Affonso Heliodoro (1916/2018)

Para embalar teu sono de menina
fiz do meu canto doce melodia.
Minh'alma ao ver-te toda se ilumina.
Se escura a noite, para mim é dia.

Teu sono leve, ao leve respirar,
é belo encanto que me alegra a alma.
Vendo-te pura e doce para amar
sinto que me seduz e a alma me acalma.

Olho-te mais e mais me asseguro:
Caminhos vários aqui me trouxeram,
ao porto desta vida em que seguro

meu pobre barco que vogava ao léu,
por mares turvos que te antecederam,
encontra em ti a terra firme e o céu.

sexta-feira, 19 de abril de 2019

DOIS POEMAS DE BENEDICTA DE MELLO

À CIDADE DE VICÊNCIA/PE

Minha cidade pobre e pequenina!
Virgem rezando aos pés do Sirigí!
E’ simples como as flores da campina,
bendita sejas, terra onde eu nasci.

Cedo, ao fechar seu cálice — a bonina,
olhas o sol! E o sol, cheio de si,
beija-te a silhueta alva e franzina.
Bendita sejas, terra em que eu sofri.

Amo-te assim, calcada e reprimida,
pelos donos de engenhos explorada,
sem pão, sem vestes, sem amor, sem vida.

E’ minha a tua dor. São meus os ais
que os teus carros de boi deixam na estrada,
levando o sangue dos canaviais.
......................................................
BENDITA CEGUEIRA

Não vi ciscar a terra o pintainho,
nem vi no lago espreguiçar-se a lua.
Não vi num ramo balouçar-se o ninho,
nem no dorso do mar vi a falua.

Não vi, em frente, o rumo ao meu caminho...
Vi ruidosa e deserta cada rua...
Meu ser em toda a parte vi sozinho...
Não vi o mato verde, a pedra nua...

Mas se não vi a graça de uma flor,
Nem  plumagem de pássaro cantor,
Bendigo o que não vi, para bem meu...

Não vi o olhar de quem renega...
E a dor de minha mãe ao ver-me cega...
E o rosto de meu pai, quando morreu...

BORGES E AS ROSAS – Vasco Graça Moura

sonhou as rosas, rosas de ninguém
de substâncias de sombras evanescentes,
e na roda das pétalas ausentes
ficou o olhar perdido, no vaivém

das brisas no jardim do esquecimento.
tinham carne de noite e de perfume
e tacteou-as devagar, o gume
afiou-se num macio desalento

de lhes ter dado o nome: rosas, rosas
factícias alastrando o seu vermelho
de golfadas de sangue ao vão do espelho
das águas e das luas ardilosas.

e soube que o real era essa imagem
devolvida no espelho, de passagem.

ESCULTURA – Raimundo Gadelha

Mutilados os braços,
os pés tentarão, passo a passo,
imprimir uma emoção
Decepadas as pernas,
o caminho não terá sido em vão
Cortada a cabeça,
por instantes ainda pulsará o coração
e enterrado o coração e todo o resto
restará ainda e para sempre
a marca cósmica e imperecível
de tudo o que se tentou ser
E numa fração de segundo
o Ser simplesmente será
Puro
Rápido
Eterno.

DURMO COM OS CRÍTICOS - Ádyla Maciel

Reescrevo-me no chão que me pisa
Sentada num piso de madeira
Lembro da árvore que subi
Deitada no colo de Camões
Desconstruo a literatura
E a essa altura
Minha coragem é fantasma
Meu fantasma é fantástico
Como dói saber que estou só-bria.
Minha cama de casal
É o oceano
Eu sou o barco sem gente.
Já fui árvore.      
Já fui semente
Restam-me os seus céus

quinta-feira, 18 de abril de 2019

REALIDADE – Rafael Rocha

O que dizer da vida? Eu aproveito devagar
os dias que correm e que me são inimigos.
Ainda desejando um novo espaço para amar
mãe, pai, mulher, filhos, irmãos e amigos.

Nunca chorei por mim, mas por sonhos desfeitos.
Sim! Escrevi muitos poemas dramáticos!
Cometi erros como todos os seres imperfeitos.
Criei palavras para serem os meus narcóticos.

O que dizer da vida? Idealizei belos sorrisos
de lindas mulheres nos meus sonhos sexuais.
E tive realidades com a mulher dos meus feitiços
nos beijos e nos abraços e nas fantasias casuais.

Ainda estou presente com minha dose de vodca.
Cigarro acesso entre os dedos, curtindo devagar.
Ainda sentindo em mim o sabor de uma boca,
onde roubei um beijo que não era para roubar.

O que digo da vida? Tenho temor de analisar
o que eu faço hoje dessa realidade de mundo.
Sinto apenas viva uma verdade exemplar:
- Sou um poeta simples e talvez meio fecundo.