sexta-feira, 31 de julho de 2020

O ORVALHO E OS DIAS - Nilton Resende

Dispo-me
Como quem quer se dar. Desvelando-se,
Expondo as faces, as dobras,
Os caminhos.
Entregando o peito, a nuca.
O calcanhar. Como quem necessita
Ser frágil no braço do outro. Desmaiado
Num colo precioso. Dispo-me
Para ser amado.
Mantendo um véu.

ELA – Pinheiro Viegas

Entra. Despe-se. E, nua, a rir, sem cerimônia,
(Ela é a visão celeste e a fêmina terrena!)
Negros olhos de ônix, solta a bruna melena.
Anda, à noite, em meu quarto, ao léu da minha insônia.

Cismo: é tzigana, a musa, a madona, a demônia.
A mandrágora, a eufórbia, a reflésia, a açucena.
Grande, soberba, irreal, pulcra, nívea, serena.
Frio alabastro nu de vedra estátua jônia.

Alva, argêntea, lunar, dúbia ao sonho, imprecisa
(Para a sua psique só mesmo a sua plástica!)
Ela faz-me lembrar Da Vinci, a Mona Lisa.

Cai-lhe sobre a nudez o amplo péplo vermelho.
Depois, nada. Ilusão! E eu só vejo, fantástica,
A máscara da lua, a rir, no seu espelho.

VERSOS A UM POETA DOENTE - Rosemar Pimentel

Vai, equívoco torto e doloroso
De células reunidas sem razão,
Viver, na solitude de um leproso,
todas as formas vivas da ilusão.

Vai, crucifica o amor e a glória e o gozo
No desespero do teu sonho vão,
E abre em tua alma, como um sol radioso,
A Bíblia da renúncia e do perdão.

Sofre, caminha pelo sonho e esquece.
Porque ao lado do abutre que te rói,
E como o Nada em teus neurônios cresce,

Há o destino evangélico do herói,
Abençoando na carne que apodrece
A dor que cria e a angústia que constrói.