sexta-feira, 3 de junho de 2022

SONHO VAGO – Tasso da Silveira

 

Ó branca e luminosa!
Na alcova quieta e silenciosa
que a penumbra parece transformar
Num ambiente imaginário
De cidade lacustre ou num aquário,
Teu corpo claro, fino, transparente,
A se mover preguiçosamente
Como a ondular...

Lembra, nessa nudez que as sombras ilumina,
Sonâmbulo país de águas e brumas,
Visão de uma paisagem submarina,
Em que andas a flutuar...
Como no meio de algas e de espumas
- Uma ninfa, sereia ou estrela-do-mar.

Vendo-te assim, meio acordado,
Eu me deixo embalar
Num esquisito, incomparável gozo,
De deleites estranhos inundado.
Crendo que vou contigo a mergulhar,
Num sonho voluptuoso,
Por entre espaços fluidos de veludo,
-Um país de perfumes e de encanto -
Em que de um vago luar o tênue manto
Amacia tudo...

II
Quantas imagens brancas me sugeres!
- Magnólia, flor dos Alpes, nebulosa...
- Branca lua perdida entre as mulheres!
- Garça, vela no mar, alvor de rosa!

Ao vê-lo assim, tão claro e leve, eu penso
Que o teu corpo, a florir na luz cendrada,
Sonha, dentro da noite, o sonho imenso
Que as rosas brancas sonham na alvorada.

POEMAS de Rodrigo Magalhães

 

ASSIM FALHOU ZARATUSTRA

O canguru sabe a sua bolsa,
e o pequeno sabe o que lhe falta.

As abelhas nunca enganaram o pólen,
sabem que é pro voo, sabem que não é de comer.

É quase de trepar.

E os homens, anos a fio,
raspando e polindo a pedra,
o bronze, o ferro,
e era algo de abrir: chave de fenda.

Chave de fenda,
agora,
já é algo de matar.

Manhã,
no trânsito, um rapaz
com o punho acima à procura
de um rapaz abaixo.

Baixou o punho, e o Homo erectus
não mais sabia o que fez da pedra.

Nem as cartas, antes ao poema ou às lágrimas
de canto, de um canto
do rosto que não busca o que aspira,
                                                        anthrax.

Pois Maria, a dos Curies,
já não tinha às mãos o radioativo
quando olharam e constataram:
– General, deve ser de matar.

Logo, desenvolveram no horizonte
a técnica extraordinária
de pender e despencar.

Longe, sob o que era céu
e calou-se escuro,
o Homo sapiens não mais sabia o fogo,

incendiava.
.......
OS FUNGOS

Como já não bastassem, outrora,
enfurnados em meu pão, meu
queijo, minha bebida; o alheio,
o cogumelo do batente, o grão
de Fleming na penicilina ( ainda
o mofo, o ancestral morto na carne
tombando no retrato),
eles insistem lá fora e batem na urna para entrar.

AS MULHERES QUE QUERO – Lívio Oliveira

 

Não quero mulheres em preto-e-branco,
nem em cinza.
Quero mulheres a cores,
mulheres com o brilho
das manhãs de sol
de Tabatinga
ou de Honolulu.
Mulheres que deitam
e dormem, de repente,
não se doam,
doem-se,
doença do tédio.

Quero as mulheres verdes,
mulheres cor de rosa,
mulheres azuis,
como o céu do sertão
do Cauaçu.

Quero a mulher que vibra,
a mulher com tremores,
a mulher sem pudores,
a mulher que me crava os dentes,
aquela que parte suas unhas
nas minhas costas.

Quero a mulher vital,
a fatal também,
mas mulher de tentos
e de tetas suculentas.

Quero a mulher-mistério,
a mulher que ri,
mas que guarda sempre
um ar de interrogação
e um segredo de mim.

Não aceito as mulheres
que não seduzem,
mulheres sem glamour,
mulheres sem fantasias,
mulheres sem música,
sem poesia,
sem uma gula impudica
que contamine
de desejo
todo ser amante.

Quero as mulheres
que não sejam só cérebro,
mas coxas entreabertas,
seios em órbita,
lábios em rosa,
coração explodindo,
champagne que explode
sobre seu corpo
e o meu.

Quero mulheres,
urgentemente as quero,
aquelas que me ninem,
como no primeiro dia,
que afaguem os meus cabelos,
que me façam dormir,
que me deem o seu leite,
que me derramem seu vinho,
alimentando-me, loucamente,
de paixão.

Quero mulheres de sangue,
mulheres de luta,
mulheres que gritem
e façam irromper, no ar,
a força dos seus sonhos,
dos seus vícios,
desejos, todos.

Quero as mulheres
que amem as artes,
que odeiem o dinheiro,
mulheres supérfluas,
mulheres manhosas,
como gatas no cio.

Quero as mulheres
vivas,
loucas,
apaixonadas,
prontas para o escândalo
do amor.

Quero-as, todas,
desesperadamente.