segunda-feira, 31 de maio de 2021

PENETRÁVEL – Aline Gallina

 

Ela soma o ar da janela.
Tropeça na mão direita a cada 20 segundos.
O dia cinza reflete em seu corpo
sujo.
Dois bólidos gigantes que se movem
no rosto –
Precisa escondê-los hoje
– caem para debaixo da cama.
Não guarda mais o segredo das cartas antigas,
eis a caixa da caixa!
Onde vive, morta para dormir
no necessário.
A paçoca de papel e capim, sua –
melhor amiga – do peito.
De quantas chamas é feito o dia?
24 goles ásperos e a cortina para
cada lado do ombro.
Perde as pontas dos dedos em cada passado.
Imprime a sombra no rosto, pois
a lua fere quando sorri.

SOLUÇOS SÍSMICOS - Heitor Brasileiro Filho

 

Farto é o fogo
dos vulcões
julgados extintos

soluço sísmico
na contração do parto

pende um quadro
trêmulo
na parede do útero

Sem a distorção
da moldura
arde uma tela
de Cícero Matos:

deserto
a ser florido
rio morto
a ser aguado

Jacobina
não é apenas um retrato
na parede
um berço
a ser embalado.

COGITO – Torquato Neto

 

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.