quarta-feira, 26 de maio de 2021

A PEDRA PERDIDA - João Carlos Teixeira Gomes

 

Era uma pedra perdida,
de duro calcário espesso.
Era uma pedra in natura.
Não era vidro, nem gesso.
No chão crestado jazia,
alheia às paixões do mundo:
argila da eternidade,
crosta do tempo infecundo.
Cauteloso, examinei-a
tomando-a na mão discreta:
– É algo que somente existe
em sua essência incompleta.
Corra o tempo fugidio
e há de ser sempre o que é:
forma pura que se basta
sem se dar conta nem fé,
massa vã que se empareda
num rude universo tosco,
presa dos próprios limites
contidos no brilho fosco.
Não pensa, não quer, não sonha.
Nada sabe nem aspira.
Mas eu, que choro e que tenho
um coração que delira,
que sinto o vibrar da cólera
e do fervor mais profundo,
eu logo serei fumaça
dissolvida além do mundo,
matéria desativada
ou pó de humana carcaça
– mas a pedra reinará
na glória turva do nada.
Daqui a mais alguns anos
(que depressa hão-de passar)
já serei fumo esvaído
– mas a pedra há de restar.
E assim ficará, invicta,
sem desejos nem remorsos,
pairando com soberbia
no que sobrar dos meus ossos.

Com raiva, num puro assomo,
tomei a pedra na mão
e lancei-a ao mar profundo:
nada buliu na manhã
nem a paz nimbou o mundo.
Pois à muda natureza
são coisas que não consomem
a dureza de uma pedra
e os sentimentos de um homem.

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