sábado, 22 de maio de 2021

PESADA NOITE - Octávio Mora

 

A noite cai de bruços,
cai com o peso fundo do cansaço,
cai como pedra, como braço,
cai como um século de cera,
aos tombos, aos soluços,
entre a maçã maciça e a perene pera,
entre a tarde e o crepúsculo,
dilatação da madrugada, elástica,
cai, de borracha,
imitação de músculo,
cai, parecendo que se agacha
na sombra, e feminina, e ágil
salta, com molas de ginástica
nos pés, o abismo
do presságio,
a noite, essa mandíbula do trismo,
tétano e espasmo,
ao mesmo tempo, a noite
amorosa, à espreita do orgasmo,
ferina, mas também açoite,
contraditória
como existir esquecimento
no íntimo do homem,
na intimidade viva da memória,
reminiscências que o consomem
fugindo com o vento,
a noite, a noite acata
tudo que ocorre,
tanto aquele que mata
quanto aquele que morre,
a noite, a sensação e aguda
de um sono
fechando os olhos, invencível
como fera que estuda
a vítima, abandono
completo, fuga, salto
nas garras do impossível,
a noite pétrea do basalto,
a noite que se entrega, langue,
escuro sangue,
a noite que se esvai
pela ferida sempre aberta
do feminino sexo,
por entre a sombra da plumagem
que o protege, entre as pestanas
da hora certa,
ao pé das árvores, sem nexo
entre as palavras e a linguagem,
entre a visão e a voz, humanas,
do alto, como tromba
d’água, como, no amor, os paquidermes,
com lentidão
tomba
e, com mais frequência, cai,
morta entre ativos vermes
por solidariedade ou por, quem sabe,
humano parentesco, solidão
mortal e sem que acabe

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