segunda-feira, 10 de maio de 2021

POÉTICA – Manuel Bandeira

 

Estou farto do lirismo comedido
do lirismo comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
[protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor

Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário
[o cunho vernáculo de um vocábulo

Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico

De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si
[mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de cossenos secretário do amante
[exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
[maneiras de agradar às mulheres etc

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare

– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

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