quinta-feira, 27 de julho de 2017

EDUCAÇÃO DO CACIQUE – Pablo Neruda (*)

Lautero era uma flecha delgada
elástico e azul foi o nosso pai.
Foi sua primeira idade só silêncio.
Sua adolescência foi  domínio.
Sua juventude foi um vento dirigido.
Preparou-se como uma longa lança.
Acostumou os pés nas  cachoeiras.
Educou a cabeça nos espinhos.
Executou as provas do guanaco.
Viveu pelos covis da neve.
Espreitou as águia comendo.
Arranhou os segredos no penhasco.
Entreteve as pétalas do fogo.
Amamentou-se da primavera fria.
Queimou-se nas gargantas infernais.
Foi caçador entre as aves cruéis.
Tingiram-se de vitória as suas mãos.
Leu as agressões da noite.
Amparou o desmoronamento do enxofre.
Se fez velocidade, luz repentina.
Tomou as vagarezas do outono.
Trabalhou nas guaridas invisíveis.
Dormiu sobre os lençóis da nevasca.
Igualou-se à conduta das flechas.
Bebeu o sangue agreste dos caminhos.
Arrebatou o tesouro das ondas.
Se fez ameaça  como um deus sombrio
Comeu  em cada cozinha de seu povo.
Aprendeu o alfabeto do relâmpago.
Farejou as cinzas espalhadas.
Envolveu o coração de peles negras.
Decifrou o frio espiral do fumo.
Construiu-se de fibra, taciturno.
Azeitou-se como a alma da azeitona.
Fez-se cristal de transparência dura.
Estudou para vento furacão.
Combateu-se até apagar o sangue.

E só então foi digno de seu povo.

 (*) A Educação do Cacique poema  copiado do livro “Canto Geral”, do poeta Pablo Neruda (1904-1973),  tradução de Paulo Mendes Campos.

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