terça-feira, 31 de maio de 2022

OS CAMPOS IMAGINAM – Cissa de Oliveira

 

Como diz Herberto
“...os campos imaginam
as suas próprias rosas...”

É setembro por aqui e as flores
tilintam bem devagar as pestanas
antes de se incendiarem em cores vivas.

São fiéis os jornais locais e noticiam
junto com o fogo constante
do pregão da bolsa de valores,
as fotografias da cidade:
numa, a explosão das violetas,
dos gerânios, das papoulas,
ou mesmo de um tapete de ipês dourados
- resto de inverno bordado na calçada,
noutra, o céu sob o contraste vinho
da uma tardinha
mansa como a brincadeira da brisa
no balanço do vestido.

Eu viro a página, é preciso,
mas vou me perguntando se toda a gente
prende a vista nas fotografias
assim como nos noticiários.

Não sei porque eu penso nisso,
e é tão nítido quanto o mercúrio
das luzes incandescentes das cidades,
ou quanto a tua risada,
esse incêndio de cristal que sempre se noticia
na minha alma.

DOIS POEMAS de Olga Amorim

 

VISÃO DE VERÃO

A gata galga o muro
reclama o cão escuro.

A romã pintalga.
o calor perdura.

A romã estala.
O calor perdura.

Voeja o beija-flor.
O calor perdura.

Abelha ronda o aroma
da goiaba madura.

O calor perdura.
Bem-te-vi te-vi te-vi
na antena de televisão.
.......
PERMUTAS POÉTICAS

Troca-se um cheiro de fumaça
por um odor de terra molhada.

Uma nuvem de pernilongos por
uma nuvem branca, de vapores
condensados lembrando sorvete de limão.

Um gramado grande, ressequido
por um canteiro de Amarílis.

Um caixote de folhas secas por
um ramo de alecrim.

Meia dúzia de envelopes de sementes
de flores por um buquê de violetas.

Um céu sem nuvens por outro, carregado
de nuvens densas.

Uma estiagem por um temporal.

Uma chuva de fagulhas de canavial
por uma chuva criadeira.

Um cheiro de garapão por
um odor de murta.

Alguns sonhos desfeitos
por uma esperança.

A VOZ CONFEDERADA – Luciano Maia

 

A Jaci Bezerra, poeta confederado
.......
Vou soltar o meu canto conflagrado
e acender no meu pátio uma fogueira,
nos caminhos da Terra içar bandeira
com o emblema de um povo alevantado.
Em meu peito o brasão confederado
ainda brilha qual lábaro inconteste;
minha crença de uma aura se reveste
dando fé da coragem de Tristão,
que por mor do relembro é encarnação
da bravura do povo do Nordeste.

Não me iludo com vozes nem acenos
que do nosso caráter nada sabem;
para que essas falácias já se acabem
e que os nossos enganos sejam menos,
revivamos valores que são plenos
do que é nosso e devera que nos preste.
Arco-íris ao sol, lume celeste,
cruz no branco de praia desatada:
nossa voz será voz confederada
no adjunto do povo do Nordeste.

Entranhável país, presente rico
de passado onde o tempo une de longe
a canuta expressão do Velho Monge
à silhueta ancestral do Velho Chico.
Em seu canto e fulgor me fortifico
com seu mar, seu sertão, seu solo agreste;
de água e tempo se cose a sua veste
na garoa de prata em Garanhuns
e no ouro do sol dos Inhamuns
que colorem e nutrem meu Nordeste