sábado, 7 de maio de 2022

A PRIMEIRA MENSAGEM – Idelma Ribeiro de Faria

 

Transponho ilhas de vazio
e vou buscar-te em fragmentos,
pequenina.
Névoas circundam-te os cabelos,
névoas penetram-te na boca,
turbam-te os olhos.

Mas a cantiga é cristal líquido.
Nasce na sala,
transporte o inerte corredor
e eclode em vívida mensagem
na soleira.

Um vulto vago
- Mãe sereníssima -
se dualiza:
senta-se ao piano,
o filho ao colo.

Canta o menino.
E a melodia te trespassa
e fragmenta.
Vou encontrar-te na soleira
em braços, pernas, gesto e riso.
Entanto, plenos de presença,
olhos e ouvidos
estão na sala
irmanados ao canto.

Notas florescem em tênue fio,
unem-se à noite.

Vultos se movem, nebulosos,
mas voz filtrada
fixa o quadro
nitidamente:
- Um ano se canta!...

Dez são os irmãos em torno ao instante.
Dez, todos eles intocados,
leves, ingênuos,
pés levitando além do lastro
do inapelável e do obscuro.

Não percebem
no canto
o voo migratório
a emoldurar a infância débil,
a perseguir além da infância
o rosto branco e adolescente,
rosto translúcido,
pulverizado em febre e tosse,
rosto-sombra,
vagando insone,
rosto-paina,
aberto em círculos de silêncio.

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