domingo, 15 de maio de 2022

POEMAS de Fernando Pessoa (ortônimo)

 

A MORTE É A CURVA DA ESTRADA

A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo.

A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho.
.......
A LUA (DIZEM OS INGLESES)

A Lua (dizem os Ingleses)
É feita de queijo verde.
Por mais que pense mil vezes
Sempre uma ideia se perde.

E era essa, era, era essa,
Que haveria de salvar
Minha alma da dor da pressa
De... não sei se é desejar.

Sim, todos os meus desejos
São de estar sentir pensando...
A Lua (dizem os Ingleses)
É azul de quando em quando.
.......
ALGA

Paira na noite calma
O silêncio da brisa...
Acontece-me à alma
Qualquer coisa imprecisa...

Uma porta entreaberta...
Um sorriso em descrença...
Uma ânsia que não acerta
Com aquilo em que pensa.

Sonha, duvida, elevo-a
Até quem me suponho
E a sua voz de névoa
Roça pelo meu sonho...
.......
ANÁLISE

Tão abstracta é a ideia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco‑os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a ideia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter‑me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.
Do sonho e pouco da vida.
.......
À NOITE

O silêncio é teu gêmeo no Infinito.
Quem te conhece, sabe não buscar.
Morte visível, vens dessedentar
O vago mundo, o mundo estreito e aflito.

Se os teus abismos constelados fito,
Não sei quem sou ou qual o fim a dar
A tanta dor, a tanta ânsia par
Do sonho, e a tanto incerto em que medito.

Que vislumbre escondido de melhores
Dias ou horas no teu campo cabe?
Véu nupcial do fim de fins e dores.

Nem sei a angústia que vens consolar-me.
Deixa que eu durma, deixa que eu acabe
E que a luz nunca venha despertar-me!
.......
CANÇÃO TRISTE

Sol, que dá nas ruas, não dá
No meu carinho.
A felicidade quando virá?
Por qual caminho?

Horas e horas por fim são meses
De ansiado bem.
Eu penso em ti indecisas vezes,
E tu ninguém!

Não tenho barco para a outra margem,
Nem sei do rio
Ah! E envelheceu já tua imagem
E eu sinto frio.

Não me resigno, não me decido,
Choro querer...
Sempre eu! Ó sorte, dá-me o olvido
De pertencer!

Enterrei hoje outra vez meu sonho
Amanhã virá
Tornar-me triste por ser risonho,
E não ser já.

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