quarta-feira, 11 de maio de 2022

COMOVO-ME SEMPRE - Inês Morão Dias

 

escreves
dançando as vozes com aquilo a que os
ingleses chamam
stream of consciousness
admiro sobretudo como arredondas os teus
textos
não cortam
nem deixam um
baloiço vazio como
os meus

os meus lês às vezes
com os teus olhos de papel
translúcido
que é como quem diz que não é lúcido
é para lá
para onde não me queres levar

tudo porque a luz não incidiu sobre o meu
rosto naquele momento inicial
puseste os óculos
não voltarias a fitar nem de
esguelha
as possibilidades da fraca estrutura óssea das
minhas maçãs
já te disse que não sou fotogénica mas que
sou muito
boa
em movimento?

em movimento quero dizer em
filme e
em caminhando

causaste, por exemplo
o desvio do que escrevo
para o fio suspenso que sai do meu peito e
te procura
deixando as necessárias páginas de resolver
problemas e infligir disciplina
por revolver
um rastro que não reparas que deixaste porque
és tão distraído
a mochila fica sempre num sítio qualquer e
assim fica tudo o que
não tem especial valor poético

mas vê bem
que pena seria
se isto fosse um lapso
da tua parte
fraca:
a luz, o pasmo, o foco nos
instantes fundadores que julgas
eternizar
sem perceberes que a vida não começa
mas se desdobra

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