segunda-feira, 2 de maio de 2022

POEMAS de Emílio Moura

 

CANÇÃO

Que consciência dividida
me faz ser dois e, em seguida,
me torna um só, mas sem vida?

Quem me trouxe a este degredo?
Quem me jogou desde cedo
em labirintos de medo?

Que sombra, estigma ou segredo
se grava, trêmulo, a medo,
em minha face plural?

Quem te conta o que não digo
e dorme sempre comigo
sono de pedra e de cal?
............
POEMA

Mal surgiste, teu caminho
ficou traçado, era aquele!
De nada valeram gestos,
palavras ou vãos desígnios.
Era aquele! E, já submisso,
humildemente seguiste,
com frágeis pés vigorosos,
(pisavas o ar, chão de nada,
do que julgavas que fosses,
ou então fosse teu sonho,
gravado em cristal e nuvem.
Não, não era. Era o que o vento
bordava no ar, projetando-se
no bojo do nada, ou no âmago
de uma aurora inexistente.
Contudo, humilde, seguiste.
E, espectro apenas, mais nada,
ainda arquitetas (inútil!)
além do tempo e do mundo
outra aurora, outro caminho.
............
MOMENTO

Nesta hora insolúvel,
apego-me a tudo:
presente, passado...
Futuro? Este é mudo.

Invento prodígios,
a ver se me iludo.
A mágica falha.
Do fundo da noite,
de mãos estendidas,
virá quem me valha?

Nesta hora insolúvel,
perdi meu caminho:
Nem rota, nem porto.
Quem é que me conta
se estou vivo ou morto

Navego sozinho.

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