Senhores críticos, basta,
Deixai-me passar sem pejo
Que um trovador sertanejo
Vem seu pinho dedilhar
Eu sou da terra onde as almas
São todas de cantadores
Sou do Pajeú das Flores
Tenho razão de cantar
Deixai-me passar sem pejo
Que um trovador sertanejo
Vem seu pinho dedilhar
Eu sou da terra onde as almas
São todas de cantadores
Sou do Pajeú das Flores
Tenho razão de cantar
Não sou um Manuel Bandeira
Drumond, nem Jorge de Lima
Não espereis obra prima
Deste matuto plebeu
Eles cantam suas praias
Palácios de porcelana
Eu canto a roça, a choupana
Canto o sertão, que ele é meu.
Vocês que estão no Palácio
Venham ouvir meu pobre pinho
Não tem o cheiro do vinho
Das uvas frescas do Lácio
Mas tem a cor de Inácio
Da serra da catingueira
Um cantador de primeira
Que nunca foi numa escola.
Pois meu verso é feito a foice
Do cassaco corta a cana
Sendo de cima pra baixo
Tanto corta como espana
Sendo de baixo pra cima
Voa do cabo e se dana.
O meu verso vem da lenha
Da lasca do marmeleiro
Que vem do centro da mata
Trazida pelo lenheiro
E quando chega na praça
É trocada por dinheiro.
O meu verso tem o cheiro
Da carne assada na brasa
Quando a carne é muito gorda
Esquentando, a graxa vaza
É a graxa apagando o fogo
E o cheiro invadindo a casa.
Aqui é a minha oficina
Onde conserto e remendo
Quando o ferro é grande eu corto
Quando é pequeno, eu emendo
Quando falta ferro, eu compro
Quando sobra ferro eu vendo
Meu verso é feito a cigarra
Num velho tronco a sonhar
Que canta uma tarde inteira
E só para quando estourar
Que eu troco tudo na vida
Pelo prazer de cantar.
Quem foi que disse
Professor de que matéria
Que o sertão só tem miséria
Que só é fome e penar
Que é a paisagem
Da caveira duma vaca
Enfiada numa estaca
Fazendo a fome chorar.
Não pode nunca imaginar
O som que brota
Da cantiga de uma grota
Quando chuva cai por lá
O cheiro verde
Da folha do marmeleiro
E o amanhecer catingueiro
No bico do sabiá.
Tem mulungu do vermelho
Mas vivo e puro
E tem o verde mais seguro
Que tinge os pés de juá
A barriguda mostrando
O branco singelo
E a força do amarelo
Na casca do umbu-cajá.
Criou-se o estigma
Do matuto pé de serra
Que tudo que fala erra
Porque não pôde estudar
Só fala versos matutos, obsoletos
Feitos por analfabetos
Que mal sabem se expressar.
Falam no sul com deboche
Que isso é cultura
De só comer rapadura
Como se fosse manjar
Saibam que aqui
Tem abelha de capoeira
E o mel da flor catingueira
É mais doce que o mel de lá.
Temos poesia que exalta
O que é sentimento
E a força do pensamento
De quem sabe improvisar
Tem verso livre
Tem verso parnasiano
E mesmo longe do oceano
Tem galope à beira-mar.
Zefa Tereza me ensinou
Que prum caboclo
Entrar na roda de coco
Tem que saber rebolar
Soltar um verso na roda
Que se balança
E no movimento da dança
Fazer o coco rodar.
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