sexta-feira, 6 de maio de 2022

POEMAS de Filipe Malaia

 

ASAS DE VIDRO

Se um dia anoitecer no teu sorriso
E a tristeza em silêncio erguer a voz
Lembra-te de mim, em ti, de nós
No meio da multidão, livres, a sós
Descidos, sem saber, do paraíso

Ou se um dia cair tão sem aviso
Em tua cândida boca a noite atroz
Não te detenhas mais, corre veloz
Corta as amarras, estilhaça os nós
Que violentam as asas do teu riso

Lembra-te do mar, se for preciso
Sem medo da cruel noite feroz
E nele molda a luz feita de nós
No meio da multidão, livres, a sós
Se um dia anoitecer no teu sorriso
.......
AUSÊNCIA

Desculpem se não estive
No banquete dos eleitos
No festim dos escolhidos,
De diamante polidos
Vestidos de amores-perfeitos…

Ou se em eventos de ouro
Engastados de marfim
Safiras e prata boa
Recusei, ingrato, a coroa
Não quis ser esse Delfim…

Relevem a minha falta
No desfile da aparência
Dos sorrisos porcelana
Cortejo de falso nirvana
Quedei-me na doce ausência…

Ou se em pódios fulgentes
Na soberba da vitória
Enjeitei troféus dourados
Vislumbro-os enferrujados
Deixo-vos tamanha glória!
.......
OUTONO

Brisa de setembro, perfeito sabor
Desse mar de cor vestido de vento
Que deriva morno e desagua em flor
No jardim secreto do meu pensamento

Onde a paz por entre pétalas vagueia
E as fadas existem num qualquer sorriso
Onde ávido vivo dos sonhos que improviso
Como vaga-lume que a si próprio se encandeia

Ou incauta aranha que na própria teia
Tece de amor enleios com que se devora
Como o velho lobo que na lua cheia
Ferido na revolta com que se incendeia
Uiva à alcateia que o mandou embora!
.......
ESPELHO SECRETO

Para onde vais de receios enfeitado?
De horas inquietantes adornado?
De que são feitas essas dúvidas brilhantes?
Esses anéis de incerteza, cintilantes
Pedras preciosas, hesitantes
Que levas nos dedos, a tremer, pra todo o lado?

E o temor com que te vestes, de que é feito?
Que seda fina é essa que te cobre o peito
Tão luminosa que te ofusca sem querer?
De que são feitos os teus medos radiosos
Esses que ostentas, trêmulos, nervosos
Com lantejoulas de inveja a condizer?

Para onde vais assim tão belo, tão inquieto?
Cobrindo de raras plumas o esqueleto
Perfumado de raiva, mágoas e desdéns?
Mira-te uma vez mais, diz-me se gostas
De ti no espelho secreto das respostas
Para onde vais? De onde vens?

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