domingo, 29 de maio de 2022

POEMAS de Jorge Medauar

 

MAR

Sem jamais antever os teus desígnios
vaguei por angras e por arquipélagos.
Feri o casco deste barco dútil
Na enfumaçada rota de esperanças.

As auroras de cinza enferrujaram
correntes e metais de atracação.
E o único sal, soprado nas aragens
apodreceu bandeiras e velames.

Teus desígnios de vagas e salsugem
de abismos e rochedos agressivos
com o ardor das algas me queimaram os olhos.

Mas pude ver a concha que se abria
para a manhã nascer por sobre as ondas.
Posso agora perder-me nesta noite
.......
VIAGEM

Era na sombra
Que eu te queria
No grão noturno
Onde é gerada
A solidão
(Esta dos vivos
Que já provei
Na tua boca).

Era no sono
Que eu te queria
Para cobrir-te
Com a algidez
Da estrela morta
Que me alumia.

Era na morte
Que eu te queria
Além da cal
Além do húmus
Tão infiltrados
E diluídos
Para a substância
Da jovem folha
Do amargo fruto.

Os teus cabelos
Teus olhos vivos
As tuas mãos
E a tua boca
Em mim (tão mortos)
Nesta viagem
Para o silêncio
Subterrâneo
Donde esta vida
Vive e renasce
Como uma flor.

Era na morte
Já sem mistério.
Era na morte
Já sem segredo.
.......
ESTE PARTIR TÃO CEDO PARA O MAR

Este partir tão cedo para o mar
Onde os barcos se agitam sob o vento
Que do sudeste vem como sonâmbulo
Entre ondas e penedos solitários.

Quando te foste, esperei-te em vão
Nas anfracturas deste mar perdido.
As medusas chegavam nas espumas
E se perdiam pela praia branca.

Naveguei oceanos de tristeza
Buscando o rumo que se desfazia
No horizonte de sombras e de pedras

Hoje soluço nesse barco velho
E não sei se terei novas correntes
Que me levem ao golfo onde repousas.

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