sexta-feira, 24 de julho de 2020

ENCONTRO – Almada Negreiros

Que vens contar-me
se não sei ouvir senão o silêncio?
Estou parado no mundo.
Só sei escutar de longe
antigamente ou lá para o futuro.

É bem certo que existo:
chegou-me a vez de escutar.
Que queres que te diga
se não sei nada e desaprendo?
A minha paz é ignorar.

Aprendo a não saber:
que a ciência aprenda comigo
já que não soube ensinar.
O meu alimento é o silêncio do mundo
que fica no alto das montanhas
e não desce à cidade
e sobe às nuvens que andam à procura de forma
antes de desaparecer.

Para que queres que te apareça
se me agrada não ter horas a toda a hora?

A preguiça do céu entrou comigo
e prescindo da realidade como ela prescinde de mim.
Para que me lastimas
se este é o meu auge?!

Eu tive a dita de me terem roubado tudo
menos a minha torre de marfim.
Jamais os invasores levaram consigo as nossas
torres de marfim.

Levaram-me o orgulho todo
deixaram-me a memória envenenada
e intacta a torre de marfim.
Só não sei o que faço da porta da torre
que dá para donde vim.

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