segunda-feira, 25 de março de 2019

A TAÇA DO REI DE TULE – Júlio César da Silva

I
Trêmulo, as barbas úmidas de choro,
No fim da vida, o Rei de Tule, um dia
Tirou a taça pela qual bebia
Do cofre onde guardava o seu tesouro.

Era essa a joia de maior valia;
E ante os nobres e gentes do seu foro
Ao mar lançou a linda taça de ouro...
E minutos após, o Rei morria.

Se essa taça continha algum arcano,
Hoje somente é o mar quem lho devassa,
Porque ela jaz no fundo do oceano;

Beija-a, somente, arfando, a água que passa...
E hoje ninguém, lábio nenhum profano
O vinho prova por aquela taça...

II
Quando me chego a ti, por mais que faça
Por conter dentro de mim este alvoroço,
Sinto que sou, sem reino e embora moço,
O Rei de Tule, e tu, a minha taça.

Dos teus lábios ninguém hoje devassa
O fundo senão eu; e enquanto posso,
No mel que eles contêm, os meus adoço...
Mas por fim tudo cansa e tudo passa.

Não poder, como o Rei, no fim da vida,
Ante os meus cortesãos, jograis e sábios,
Lançar ao mar também, taça querida,

Para que ninguém mais sinta os ressábios
Dessa bebida por mim só bebida
Pela taça vermelha dos teus lábios!

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