quarta-feira, 27 de maio de 2020

MOTO CONTÍNUO - Ana Cláudia Romano Ribeiro

volta no meio da tarde
poucos estão nas calçadas
lusco-fusco
vento e mormaço na rua vazia
você alonga a coluna e sorri
dá uns passos e corre pelo declive até o jardim
recolhe as sementes
junta todas em um saquinho de juta
levará tempo até plantá-las
repetindo um gesto antigo
percebe a necessidade da poda
corta os galhos do limoeiro
da jabuticabeira
lembra do cajueiro
observa as plantas que crescem do nada
nada vem do nada
deixar no chão o imenso
pé de pitaia que despencou do arco alto de dois ipês contíguos
colher as frutas doces
serrar um tronco comido por cupins
limpar o poço
tomar banho
escutar os ossos
quem sabe à noite na rede o corpo
cansado, o radinho
sintoniza uma música
em língua desconhecida

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