sexta-feira, 8 de outubro de 2021

ESTADO RESIDUAL DA DOR – Maria do Carmo Ferreira

 

Aos quarenta e dois anos sou inédita
estrela decadente ao rés-do-chão.
Erra a maturidade entre as paredes
que ergui aos dezessete. E não ruirão.
Que diria eu de mim que fui vedete
plumas e prêmios em pés de pavão?
Espadanava o espírito nas redes
e eu peixe escorregava-me das mãos.
Pássaro cego dardejei parábolas
que se empalharam num museu de sons.
Tornei-me objeto. Abjeta. Prefixada
à guisa de artefato eu disse NÃO.
Palavras que eu mastigo em pensamento
são malas artes química que intento
como animal que urina para dentro:
gaveta/arquivo morto/armagedon.
Ah não me amei me armei me desmascaro
quero escapar de mim perder meu faro.
Adentrei-me demais no labirinto
e quanto mais me sinto mais me sinto
eu revolvida em livro de memórias
errática ficção fingida história
eu me arrancando páginas de medo
eu recolhida às pressas já no prelo
eu censurada imprópria intransmissível
eu bomba-H na hora-D eu míssil
em pânico de ser e estar comigo
eu me engolindo em seco em meu degredo
camelo cobra cabra capivara
catatônica ao toque da palavra
desertora de mim. Desativada.

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