quarta-feira, 13 de outubro de 2021

DOIS POEMAS – Arthur da Távola

 

RETRATO

A dolorosa
e lenta
refeição do velho.
Sopas e papas insepultas
voracidade morta
lassa obrigação de alimentar.

Saliva é cuspe
o cuspe é baba
na dócil refeição do velho.

A lentidão exasperante
de quem come para não morrer
e morrerá porém. Só

A dolorosa
e benta
refeição do velho.

A carne insulta-lhe
a indecisão do dente,
dor e cansaço no deglutir.

Tudo é torpor ou gole
na fome sem sabor
da refeição do velho.
............
AUTISMO

O tédio que não revelo
resvala e vala na taquicardia
do sorriso emoliente
em minha ativa participação.
A morte, amiga de infância,
palpita vida na força do meu viver.
Sou segredos, dons, acasos e órfão,
silenciados em músicas e pickles.
Meu menino, a cirurgia, aquele cão, o não,
a morte do pai e minha irmã
moram anônimos
no quarto e sala da alma.
Falo o que calo
sinto o que guardo
sob outro eu igual ao mim
bem melhor, porém.
Mas autista.
O sexo implícito, o tesão abissal,
a gula mamada,
a timidez flatulenta,
jazem no fundo do meu mar.
Escafandro-me, debalde.
Calo constatações,
blasono brilhos
suicido sonhos,
calafrio-me a colher náuseas
e navego fés esperançosas.
Sou sem teto de onde salto
para o chão do não ser.
Minha blandícia
quem acarinhará?

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