quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

CANÇÃO DE MIM MESMO – Walt Whitman

EU CELEBRO a mim mesmo,
E o que eu assumo você vai assumir,
Pois cada átomo que pertence a mim pertence a
                                    [ você.

Vadio e convido minha alma,
Me deito e vadio à vontade .... observando uma
                            [ lâmina de grama do verão.

Casas e quartos se enchem de perfumes .... as
        [ estantes estão entulhadas de perfumes,
Respiro o aroma eu mesmo, e gosto e o
        [ reconheço,
Sua destilação poderia me intoxicar também,
        [ mas não deixo.

A atmosfera não é nenhum perfume .... não tem
        [ gosto de destilação .... é inodoro,
É pra minha boca apenas e pra sempre .... estou
        [ apaixonado por ela,
Vou até a margem junto à mata sem disfarces e
        [ pelado,
Louco pra que ela faça contato comigo.

A fumaça de minha própria respiração,
Ecos, ondulações, zunzuns e sussurros .... raiz
[ de amaranto, fio de seda, forquilha e videira,
Minha respiração minha inspiração .... a batida
    [ do meu coração .... passagem de sangue e
    [ ar por meus pulmões,
O aroma das folhas verdes e das folhas secas,
    [ da praia e das rochas marinhas de cores
    [ escuras, e do feno na tulha,
O som das palavras bafejadas por minha voz ....
    [ palavras disparadas nos redemoinhos do
    [ vento,
Uns beijos de leve .... alguns agarros .... o
    [ afago dos braços,
Jogo de luz e sombra nas árvores enquanto
    [ oscilam seus galhos sutis,
Delícia de estar só ou no agito das ruas, ou pelos
    [ campos e encostas de colina,
Sensação de bem-estar .... apito do meio-dia
    [ .... a canção de mim mesmo se erguendo
    [ da cama e cruzando com o sol.

Uma criança disse, O que é a relva? trazendo um
     [ tufo em suas mãos;
O que dizer a ela ?.... sei tanto quanto ela o que
     [ é a relva.
Vai ver é a bandeira do meu estado de espírito,
  [ tecida de uma substância de esperança verde.
Vai ver é o lenço do Senhor,
Um presente perfumado e o lembrete derrubado
  [ por querer,
Com o nome do dono bordado num canto, pra que possamos ver e examinar, e dizer
      É seu ?

O blablablá das ruas .... rodas de carros e o
     [ baque das botas e papos dos pedestres,
O ônibus pesado, o cobrador de polegar
     [ interrogativo, o tinir das ferraduras dos
     [ cavalos no chão de granito.
O carnaval de trenós, o retinir de piadas
     [ berradas e guerras de bolas de neve ;
Os gritos de urra aos preferidos do povo ....
     [ o tumulto da multidão furiosa,
O ruflar das cortinas da liteira — dentro um
     [ doente a caminho do hospital,
O confronto de inimigos, súbito insulto,
     [ socos e quedas,
A multidão excitada — o policial e sua estrela
     [ apressado forçando passagem até o centro
     [ da multidão;
As pedras impassíveis levando e devolvendo
     [ tantos ecos,
As almas se movendo .... será que são invisíveis
     [ enquanto o mínimo átomo é visível ?
Que gemidos de glutões ou famintos que
     [ esmorecem e desmaiam de insolação
     [ ou de surtos,
Que gritos de grávidas pegas de surpresa,
     [ correndo pra casa pra parir,
Que fala sepulta e viva vibra sempre aqui....
     [ quantos uivos reprimidos pelo decoro, Prisões de criminosos, truques, propostas
     [ indecentes, consentimentos, rejeições de
     [ lábios convexos,
Estou atento a tudo e as suas ressonâncias ....
     [ estou sempre chegando.
..............................................................
Sou o poeta do corpo,
E sou o poeta da alma.
Os prazeres do céu estão comigo, os pesares do
     [ inferno estão comigo,
Aqueles, enxerto e faço crescer em mim mesmo
     [ .... estes, traduzo numa nova língua.

Sou o poeta da mulher tanto quanto do homem,
E digo que é tão bom ser mulher quanto ser
     [ homem,
E digo que não há nada maior que a mãe dos
     [ homens.
.........................................................................

Vadio uma jornada perpétua,
Meus sinais são uma capa de chuva e sapatos
      [ confortáveis e um cajado arrancado
      [ do mato ;
Nenhum amigo fica confortável em minha
      [ cadeira,
Não tenho cátedra, igreja, nem filosofia;
Não conduzo ninguém à mesa de jantar ou à
      [ biblioteca ou à bolsa de valores,
Mas conduzo a uma colina cada homem e mulher
      [ entre vocês,
Minha mão esquerda enlaça sua cintura,
Minha mão direita aponta paisagens de
      [ continentes, e a estrada pública.
Nem eu nem ninguém vai percorrer essa estrada
      [ pra você,
Você tem que percorrê-la sozinho.

Não é tão longe assim .... está ao seu alcance,
Talvez você tenha andado nela a vida toda e não
      [ sabia,
Talvez a estrada esteja em toda parte sobre a
      [ água e sobre a terra.

Pegue sua bagagem, eu pego a minha, vamos em
      [ frente;
Toparemos com cidades maravilhosas e nações
      [ livres no caminho.

Se você se cansar, entrega os fardos, descansa a
      [ mão macia em meu quadril,
E quando for a hora você fará o mesmo por mim;
Pois depois de partir não vamos mais parar.

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