sexta-feira, 31 de maio de 2019

LEMBRA – Vicente de Carvalho

“Lembra”! diz-me o passado: “Eu sou a aurora 
E a primavera, o olhar que se enamora 
De quanto vê pelo caminho em flor; 
Para o teu coração cansado e triste 
É recordar-me — o único bem que existe... 
Eu sou a mocidade, eu sou o amor.” 

“Vive!” diz-me o presente. “Alma suicida, 
Louca, não peças à arvore da vida 
Mais que os amargos frutos que ela tem; 
Deixa a saudade e foge da esperança, 
Faze do pouco que teu braço alcança 
O teu mesquinho, o teu único bem.” 

“Sonha!” diz-me o futuro: “o sonho é tudo, 
Eu sobre as tuas pálpebras sacudo 
A poeira da ilusão!... sonha, e bendiz! 
Eu sou o único bem porque te engano, 
E o desgraçado coração humano 
Só com o que não possui é que é feliz.”

Eu ouço os três, e calo-me: desisto 
De quanto me prometem, porque nisto 
Todos se enganam, todos, menos eu: 
Beijo dos lábios da mulher amada, 
O único bem és tu! Nem há mais nada. 
E tu és de outro, e nunca serás meu!

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