sexta-feira, 31 de maio de 2019

ENSAIO DE CIÚME - Marina Tsvietáieva

Tradução de Décio Pignatari

Como vai indo com a outra?
Tão fácil, não? - basta um impulso
no remo - com a orla, a minha
imagem se borra, se afasta,

vira ilha flutuante (no céu,
- na água, não!).
Alma e alma,
irmãs, sim - mas, amantes, não!
Uma é destino; outra - sem fim!

Que tal viver com tal pessoa
comum - vida sem divindades?
Jogou do trono-olimpo a deusa-
rainha, abdicou - e a coroa

de sua vida, como fica?
Ao despertar, como pagar
o preço de imortal banal-
idade - como? Menos rica?

"Chega de susto e suspeita!
Quero um lar!". Mas... e a vida
só - com uma mulher qualquer -
Você - eleito de uma eleita?

Ah... E a comida? Apetitosa?
Você se queixa quando enjoa?
Depois do topo do Sinai,
Ir conviver com uma à-toa

da parte baixa da cidade,
uma coitada? Gostou da anca?
O açoite-vergonha de Zeus
ainda não vincou-lhe a estampa?

Entre viver e ser, dá para
contar? E como encara
o caro amigo a cicatriz
da consciência-meretriz?

Viver como boneca de gesso
- de feira!? Você me acha cara?
depois de um busto de Carrara,
um susto de papier-mâché?

(O deus que escavei de um bloco
só me deixou os ocos). Enleva
viver com uma igual a mil,
quem já teve a Lilit primeva?

Não lhe matou a fome a boa
bisca, que atendeu aos pedidos?
Como viver com a simplória
que só possui cinco sentidos?

Enfim, por fim...: você é feliz,
no sem-fundo dessa mulher?
Pior, melhor, igual a mim,
nos braços de um outro qualquer?

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