quarta-feira, 25 de setembro de 2019

CONFISSÃO À SÉRIO - Lawrence Ferlinghetti

Tradução de Isabelle Lima.

Fui concebido no verão I9I8
(ou era 38)
durante uma guerra qualquer
o que não impediu duas pessoas
de fazer amor em Ossining esse ano
gosto de imaginar isso ao sol nas margens dum rio
durante um piquenique ao pé do Hudson
como num quadro da escola de Hudson
ou então no Bear Mountain talvez
depois de ter apanhado o antigo paddlewheel a vapor
(talvez tenha acrescentado o paddlewheel —
O Hudson é o meu Mississipi).
E de regresso ela
trazia-me já
dentro dela eu
Lawrence Ferlinghetti
arrancado da obscuridade de minha mãe há muito tempo
nascido num pequeno quarto —
No quarto do lado meu irmão ouviu
o primeiro grito muitos anos depois escreveu-me
– "coitadinha da mãe – sem marido –
sem dinheiro – pai morto Como aguentou ela tudo isso —"
Alguém me espremeu o coração
para a por a andar
Gritei e saltei
Olho aberto Coração aberto a mais
onde vagueio
Gritei e saltei
no coração do mundo
Levado
por um outro que desconhecia
E qual eu conhecerá meu irmão?
"Sou filho de mim mesmo sou minha mãe, meu pai,
Nascido de mim próprio
minha própria carne mamada"
E alguém me espremeu o coração
para me por a andar
E pus-me a fazer
o meu número
Era um brinquedo de dar corda
que alguém deixou cair
num mundo já gasto
O mundo girava já
há muito tempo mas não fazia diferença
estava novo estava como novo
tornei-o novo
e vi-o brilhar
e brilhava ao sol
e girava ao sol
e o eixo que fiava
era de pura luz
Minha vida estava feita
de eixos de luz
As teias d’aranha da Noite
não estavam nela
não faziam parte dela
Era demasiado brilhante
de ver
demasiado luminoso
para fazer uma sombra
e havia um outro mundo
por detrás das cortinas brilhantes
bastava fechar os olhos
para que outro mundo surgisse
tão perto e tão querido
que só podia ser eu mesmo
meu eu interior
onde tudo o que é real
havia de acontecer
neste lugar que existe ainda
em mim
e que não mudou muito
certamente menos
que o exterior
com seu saco de pele
e sua "barba d’alumínio"
e seus olhos azuis azuis
que veem como um só olho
no meio da testa
onde tudo acontece
salvo o que acontece
no coração
vajra lótus coração de diamante
no qual leio
o poema que não tem fim

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