terça-feira, 5 de julho de 2016

DOIS SONETOS DE ALEXANDRE O’NEILL

SONETO A DUAS MÃOS – Alexandre O’Neill

A mão que me sustenta e eu sustento
é mão capaz das vinte e cinco linhas
e do selado azul de um requerimento
ou doutras diligências comesinhas...

Habituada por secretarias,
esperta, decidiu de um grave acento,
a vírgulas guindou torpes cedilhas
e mastigou papel, seu alimento...

Contraiu calos, revoltou-se às vezes,
contra certos despachos, tão soezes
que até o dedo auricular se ria...

Com dois dedos de aumento se curvava
e logo, altiva, à esquerda se mostrava... Agora?
Estão as duas na poesia...
.....................................
A MORTE, ESSE LUGAR-COMUM – Alexandre O’Neill

É trivial a morte e há muito se sabe 
fazer — e muito a tempo! — o trivial. 
Se não fui eu quem veio no jornal, 
foi uma tosse a menos na cidade... 

A caminho do verme, uma beldade 
— não dirias assim, Gomes Leal? — 
vai ser coberta pela mesma cal 
que tapa a mais intensa fealdade. 

Um crocitar de corvo fica bem 
neste anúncio de morte para alguém 
que não vê n′alheia sorte a própria sorte... 

Mas por que não dizer, com maior nojo, 
que um menino saiu do imenso bojo 
de sua mãe, para esperar a morte?...

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