quinta-feira, 16 de abril de 2020

O TIRO - Ted Hughes

Tradução de Paulo Henriques Britto

O seu culto pedia um deus.
Se não havia deus, achava um.
Qualquer atleta virava um deus –
Deificado pela sua paixão
Que parecia feita de uma encomenda para um deus.
Ela procurava deuses. E os encontrava.
O seu pai estava mirando você em Deus
Quando a morte apertou-lhe o gatilho.
                                                                  Naquele clarão
Você viu toda a sua vida. E ricocheteou
Toda a extensão de sua carreira nota-Dez
Com a fúria
De uma bala de alta velocidade
Que não é capaz de perder um joule
De energia cinética. Os eleitos
Meio que morriam no momento do impacto –
Entre mortais demais para agüentar. Seres etéreos,
Provisórios, especulativos, meras auras.
Turbulências na sua trajetória, ao romper a barreira do som.
Mas nos seus lenços de papel ensopados de soluços
E seus acessos de pânico em noites de sábado,
Sob este ou aquele penteado,
Por trás dos aparentes ricochetes
E da cascata de gritos em diminuendo,
Você seguia em frente,
Recoberta de ouro, prata sólida,
Com ponta de níquel. Trajetória perfeita
Como se cruzasse o éter. Mesmo a cicatrizes na face,
Arranhão de quem se ralou no concreto,
Servia como estria no cano da arma
Para manter reta a trajetória.
                                                Até que o seu alvo verdadeiro
Escondeu-se atrás de mim. O seu pai,
O deus da arma fumegante. Durante um longo tempo,
Vago como névoa, nem percebi
Que fora atingido,
Nem que você me atravessou por completo –
Para enterrar-se enfim no coração do deus.

Em meu lugar, um bom curandeiro
Teria apanhado você em pleno vôo com as mãos nuas,
E a jogaria de uma mão à outra, para esfriar,
Ateia, feliz, tranquilizada.
                                             Só consegui
Um fio dos seus cabelos, a sua aliança,
o seu relógio, a sua camisola.

Nenhum comentário:

Postar um comentário