quinta-feira, 11 de julho de 2019

CANTO DA MADRUGADA – Valdeci Ferraz

Do livro inédito “Terra dos Homens Clonados”
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Eis-me cercado por sombras e fotos antigas
dentro de uma madrugada insolúvel.
De um lado o desejo e do outro a tristeza
de ver o fogo apagado, a chama extinta,
a porta fechada, o beijo negado.
As recordações fuçam como ratos famintos.
Alguns conseguem furar meu crânio
e devoram parte da minha existência.
Do que eu sou a madrugada consome.
O que resta? Talvez um homem.
Extraio do peito um veneno atroz
na intenção de calar um desejo torto.
Mas a cada vez que ouço a voz
sussurra-me do além a voz de um morto.

Cerrou a madrugada a sua madre
para que nenhum verso fertilizasse a musa
e nenhum poeta manifestasse a sua dor.
Esqueceu que às palavras
é dado o poder da imortalidade
e aos poetas o sentimento do amor.
Eis-me cercado por antigos troféus
e modorrentas criaturas
que seguram a madrugada
com guardanapos de seda
transformando-a em uma grande sepultura.
Alude a alma ao canto sereno
da última estrela que morreu.
Prepara a cama com lençol vermelho
para que o canto do galo
sepulte de vez na manhã
esta madrugada doída.

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