sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

UM BONDE CHAMADO SEU BEIJO - Elisa Lucinda

 

Quem encobrirá meu sono?
Beijará quem minhas costas no cotidiano?
Quem, no meio do frio,
me cobrirá com lindas orelhas
e me dirá palavras indecentes nos ouvidos?
Quem, atrevido, me acordará com o ponteiro em riste
como um pássaro que não quer tudo
apenas o céu, a gaiola, o alpiste?
Quem que, quando eu dormisse, por mim zelasse
e eu, quando acordasse, lhe fizesse iogurtes brejeiros
massagens nos pés, cumplicidades de enlace?
Quem me agarrará por trás
quando eu sair cheirosa do banho
e terá orgulho de eu ser guerreira
e perfumada ao mesmo tempo?
Quem em bom senso dirá que muito me assanho
quem orientará a guerrilha diária
a que me proponho
quem será inteligente e gostoso
a meu lado como está no meu sonho?
Quem, a quem me disponho
a cozinhar e fazer versos
quem racional e perverso cochichará
nos tímpanos da minha alma
a doce ordem, a venal palavra: Calma?
Quem com sua alma me mostrará um mar vertical?
Quem, meu igual, me apontará andores reais,
sem excesso de glacê no bolo
Com determinação de touro
e a nobreza de poder ser banal?
Quem, coisa e tal, me beijará a boca
e me enfiará as mãos
por debaixo da barra do segredo do vestido
e um dia passeará comigo no segredo
contido na Barra do Jucu?
Quem, senão tu que eu elejo, eu planejo,
pode habitar o lugar
a suíte que há tanto tenho reservado?
Quem, encomendado, pode me manter
na confiança dos edredons
enquanto não chega?
Quem, com certeza, me visitará num
outubourbon no gume da lira
de eu ser égua, cadela, mulher e sua?
Quem sobre mim sua, pinga, chove?
Quem que com lucidez resolve o abismo
simples de prever o risco de sonhar
pra nele mesmo cair, rir
e se embolar?
Quem me dará a ideia de conceber
a saudade no sentido tático
quem, não estático, de longe me fará cometer 
poemas de meia-noite?
Quem, sem favor, me estende o braço com rosas na mão
com explicação pro meu calor?
Quem, senão meu doido bondinho
meus olhos acesinhos, meu comedor...
Meu triz, meu risco
meu cristo redentor?

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