quarta-feira, 4 de agosto de 2021

POIESIS – Dheine de Souza

 

enquanto os risos escorriam nos pés
na grama
nos galhos
nos céus
dos outros no tempo
em que sempre voltamos
jamais estaremos

uma criança, longe, muda, exangue, sentada
num canto daquele muro
(como no canto dos outros muros que agora a
derrubam
feito um sino mudo)

nesse canto lhe deram uma rosa
era uma rosa comum, cor-de-rosa, jovem, justa, virgem
não soube o que fazer com tanta verdade
embora sequer soubesse disso
de que agora a memória sabe
do jeito que a memória sabe saber reticente

poderia ter passado a tarde toda
aquela criança
talvez eras
com a rosa nas mãos

poderia dizer do cheiro daquela pétala uma obra aberta
do tônus firme do seu corpo frágil
das inverossimilhanças do contorno
na sua cor silenciosa
dos rosas da rosa

se fosse dizível

mas quando o sol se punha
naquela época

pés sujos
risos suados
cabelos ventados
fôlegos rotos

mas a rosa
intacta
naquelas mãos tão pequenas meu deus
e que já sustinham o medo
de ser túmulo

qual teria sido o erro
que cometeram aqueles dedos
incapazes ainda de todo mal
que agora teciam tão displicentemente

tomaram-lhe a rosa sem
não foi sequer capaz de

despedaçaram todas as pétalas e sépalas
ouviam-se ranger suas veias
enquanto ensinavam que era assim
que se brincava com as flores

foi a primeira vez para ela
que a poesia
colheu o seu silêncio
humano

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