segunda-feira, 30 de agosto de 2021

APONTAMENTOS – Manoel de Barros

 

Deixei uma ave me amanhecer.
Toda vez que a manhã está sendo começada nos
meus olhos, é assim...

Essa luz empoçada em avencas.

As avencas são cegas.
Nenhuma flor protege o silêncio quanto elas.

Ó a luz da manhã empoçada em avencas!

Sabiá de setembro tem orvalho na voz.
De manhã ele recita o sol.

Quando eu nasci
o silêncio foi aumentado.
Meu pai sempre entendeu
Que eu era torto
Mas sempre me aprumou.
Passei anos me procurando por lugares nenhuns.
Até que não me achei - e fui salvo.
Às vezes caminhava como se fosse um bulbo.

Agora estou sonhado de glicínias.

Não sei bem de que cor é a cor do amaranto.
Mas pelo amar e pelo canto
fica bem esse amaranto aí
(melhor do que se eu usasse perpétua,
que é o outro nome que se põe a essa
flor).
Amaranto murmura melhor.

Achei entre os pertences de Bernardo um vaso
de colher chuvas, um cachimbo
e um rosto de inseto dependurado na calça.
Bernardo tem fé quase assim de molusco.
Para saber dos passarinhos só precisa de suas
ignorâncias.

A voz de um passarinho me recita.

Os morros se andorinham longemente...
Eu me horizonto.
Eu sou o horizonte dessas garças.

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