sexta-feira, 18 de maio de 2018

MAINHA – Kátia Drummond



Quando eu era criança, ainda me lembro,
menina da rua, fugaz andorinha,
eu via os homens entrando e saindo.
Malditos ladrões. E perversos bandidos.
Querendo prazeres, todos mal vividos,
buscavam o corpo da minha mainha.
Na mesma alcova. Bem onde eu dormia,
sem cama e coberta. Deitada no chão.
No colo onde eu jamais me deitaria.
Na casa que eu pensava que era minha.

Alguns davam doces. E outros, brinquedos.
Pequenas bonecas vestidas de trapos.
E eu, curiosa, pensava comigo:
Por que tantos homens entrando e saindo?
O que é que eles fazem? Parecem farrapos!
Às vezes ficava quietinha, espiando.
Nas pontas dos pés. Infeliz bailarina.
Sem mesmo saber que ali, do outro lado,
mainha traçava pra mim minha sina.

Aquela mulher, já exausta da lida,
chorava baixinho pra ninguém ouvir.
E eu já crescida, menina perdida,
fui vendo em meu corpo o preço da vida.
Odiei os homens. Desejei partir.
Pensei em tirar a mainha da luta.
Mas ela me olhava e com raiva dizia,
gritando aos brados, no maior desdém:
"Se manda daqui. Vai, menina vadia.
Que filha de puta, é puta também."

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